Na continuação dos balanços da década que temos feito, e que pode consultar através da grelha de notícia relacionadas, selecionamos hoje dez dos muitos grandes álbuns internacionais que se lançaram ao longo dos 2010s. Esta escolha é evidentemente subjetiva e tenta ser a mais transversal possível.
PJ Harvey - "Let England Shake" (2011)
A grande camaleoa indie desencantou, com mais de 40 anos, a sua grande obra-prima. "Let England Shake" é um disco conceitual sobre os conflitos bélicos da sua Inglaterra, situado numa Terra de Ninguém entre trincheiras, entre rock e folk, entre o som etéreo dos Cocteau Twins e os ares rupestres das manas Shirley and Dolly Collins. Enquanto a Europa e Inglaterra se desmoronavam, PJ Harvey tinha voltado a encontrar um rumo. "Let England Shake" valeu-lhe o segundo Mercury Prize da carreira (o prémio de melhor álbum anual da música britânica), algo que nenhum outro artista tinha conseguido.
Daft Punk - "Random Access Memories" (2013)
Numa década em que passámos a saber tudo sobre todos, é notável que uma dupla de fama mundial como os Daft Punk mantenha as suas imagens pessoais diluídas no anonimato, escondidos atrás de capacetes e das figuras de robots. O único álbum do projeto francês lançado este decénio consegue a proeza de um sucesso universal, que incluiu a liderança dos tops de todo o mundo (incluindo Portugal) e, ao mesmo tempo, o consenso elogioso da crítica. Junta-se a isto o merecido Grammy de Melhor Álbum do Ano. Com um elenco de colaboradores de luxo (Giorgio Moroder, Nile Rodgers dos Chic, o vocalista dos Strokes Julian Casablancas, Panda Bear dos Animal Collective, Chilly Gonzales), projetaram para este disco revivalista do disco-sound toda uma orgânica humana, como se houvesse uma banda funk por trás deste recheio orelhudo de electrónica.
Run the Jewels - "Run the Jewels" (2013)
A vaga de três álbuns homónimos dos Run the Jewels marcou inegavelmente a década. O primeiro deles deixou logo bem evidente a complementaridade fortíssima entre os dois MCs, Killer Mike e El-P, neste hip hop de fluidez alucinante.
Beyoncé - "Beyoncé" (2013)
A ambição profissional de Beyoncé de alta monta passou a englobar em definitivo a ousadia artística a partir deste álbum homónimo, de sonoridade tão contemporânea, com um r&b tão vivo quanto rico em detalhes. "Beyoncé" não seria a única grande obra da cantora norte-americana. O disco sucessor “Lemonade” foi outro desbravador de novos terrenos.
Lana Del Rey - "Ultraviolence" (2014)
Dúvidas houvesse sobre a consistência desta princesa indie no rescaldo do gangsta-pop de "Born To Die", essas dúvidas foram tiradas com este álbum bem menos óbvio mas que demonstra a força resistente de uma ideia: o contraste de luzes entre o glamour hollywoodesco e a sombra da errância e da solidão num conjunto de canções esmagador. E houve continuidade subsequente. Lana Del Rey é dona de uma das discografias mais fortes desta década.
The War on Drugs - "Lost in the Dream" (2014)
Este é o disco que fez a banda de Adam Granduciel dar um salto gigante para a primeira divisão do rock alternativo. Melodias apelativas e longos fade out fazem parte do mesmo disco, onde guitarras elétricas desprendidas, sintetizadores, um saxofone e a voz charmosa de Granduciel se contagiam – e nos contagiam. Sempre que nos quisermos lembrar de um clássico rock desta década, este é um dos discos.
Sufjan Stevens - "Carrie & Lowell" (2015)
As memórias bem vivas do banjoísta norte-americano, misturadas com uma ficção etérea e às vezes mitológica, ganham neste álbum um significado especial, dedicado à mãe falecida com quem mal esteve ao longo da vida. "Carrie & Lowell" ronda mais a imaginação de Sufjan Stevens do que lhe faltou do que as memórias do pouco que teve da progenitora, sem a exuberância electrónica de "The Age of Adz" e sem a pompa orquestral de alguns trabalhos precedentes. Os instrumentos aqui aparecem quase à vez como se tivessem medo de se atropelar: um dedilhado dócil do fiel banjo, depois um piano sorrateiro, uma pequenas achegas da guitarra pedal steel, uma outra guitarra eléctrica a derrapar para um belo precípicio, a sós com o canto murmurado de Sufjan Stevens. E depois a transcendência. Carrie & Lowell é um dos mais belíssimos discos folk deste século.
Kendrick Lamar - "To Pimp A Butterfly" (2015)
Um dos maiores rappers da sua geração, um dos maiores do hip hop de sempre, um dos maiores. Kendrick Lamar já tinha abanado a música com o álbum de 2012, "Good Kid, M.A.A.D City", mas em 2015 veio um terramoto chamado "To Pimp A Butterfly", um autêntico de museu de música norte-americana que vai do hip hop ao jazz, da soul ao avanta-garde. Mas Kendrick Lamar não se ficaria por aqui.
David Bowie - "Blackstar" (2016)
No dia em que fez 69 anos, a 8 de Janeiro de 2016, David Bowie lançou o álbum “Blackstar”, mais filiado no jazz e bem apropriado pela sua personalidade. Dois dias depois, a 10 de Janeiro de 2016, David Bowie perde a sua luta contra o cancro, depois de 18 meses de sofrimento. Depois de ter encarnado tantas personagens, a figura moribunda do álbum “Black Star” era afinal o próprio David Bowie, que se estava a despedir de nós. E com que classe!
Nick Cave & The Bad Seeds - "Ghosteen" (2019)
Este é o primeiro disco feito de raiz depois da morte de Arthur Cave, caído numa falésia em 2015, quando tinha 15 anos de idade. Ele é o "Ghosteen", o fantasma adolescente que ilumina e atormenta todo este disco duplo de 11 faixas. O que sobressai em "Ghosteen" é um grande peso recorrente de luto, do manto lamuriento dos coros, como se fosse a choro das viúvas dos pescadores na hora matinal da má nova. O sofrimento de alma de Nick Cave está também traduzido em falsetes que finalizam canções nos esforços derradeiros, como pedidos de redenção. Este é mais um álbum de Nick Cave & Warren Ellis do que propriamente um disco de Nick Cave & Bad Seeds. É na comunhão entre Cave e o seu fiel escudeiro e diretor de banda que está muita da força brutal deste disco.
Artigo de opinião.