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Mário Barreiros: "o jazz é uma conversa entre todos"

Novo álbum "Dois Quartetos sobre o Mar" é publicado hoje.

Mário Barreiros: "o jazz é uma conversa entre todos"
DR - promoção

O conhecido produtor Mário Barreiros é desde sempre um músico que tem como um dos seus habitats o jazz. É a ele que volta no novo álbum "Dois Quartetos sobre o Mar", disponível desde hoje nas plataformas digitais.

"Dois Quartetos sobre o Mar" dá início a uma sequência idealizada de álbuns temáticos. O tema deste álbum está no título, o mar, o gigante vizinho do lado com que o costeiro Mário Barreiros faz as limpezas cerebrais e se inspira.  

Na função de baterista, Mário Barreiros comanda dois quartetos de excelência: um com o saxofonista Ricardo Toscano, o contrabaixista Carlos Barretto e o pianista Abe Rábade (o quarteto Pacífico); outro com o contrabaixista Demian Cabaud, o saxofonista José Pedro Coelho e o pianista Miguel Meirinhos (o quarteto Abissal).

No embalo de “Dois Quartetos sobre o Mar”, conversámos com Mário Barreiros, um homem de boas ondas.
 
Sempre foi fascinado pelo mar?  
Sim. Nasci no Porto e há vinte anos comprei uma casa, numa zona onde venho desde miúdo, no verão. Todos os meses tomo banho. Vou à água quando faz bom tempo, mesmo no inverno. Quando está sol à hora de almoço, aproveito. Só me faz bem. Moro na Praia da Aguda, entre Gaia e Espinho. É uma aldeia de pescadores que tem tudo: bombeiros, posto de saúde, mercearias, peixe fresco. Temos uma lota onde é possível comprar peixe mais barato. Estou no paraíso.  
 
Chegou a estar ligado a alguma atividade desportiva marítima?  
Não, nunca fiz nada desportivo. Faço ioga duas a três vezes por semana. O meu desporto favorito é tocar bateria.  
 
O mar é uma fonte inesgotável de inspiração para um músico como o Mário Barreiros? 
O mar é a coisa mais importante que temos na nossa vida. 70% da superfície da Terra é ocupada pelo mar. 80% do oxigénio que respiramos vem do mar. O dióxido de carbono também é absorvido na sua maioria pelo mar. O mar é a nossa sobrevivência.  
Este álbum é uma homenagem a todas essas pessoas que estão a tentar construir um futuro melhor [em defesa do mar]. A ideia [do álbum] foi valorizar o mar, falar de estatísticas que as pessoas não têm presente. A capa do disco está muito boa, porque cada tema tem um texto, pedi aos compositores que escrevessem. Há um texto ou outro escrito por mim. Tudo o que fizemos foi a pensar no mar ou na água. Um dos temas chama-se 'Narciso', que é uma história diferente, mas que tem a ver com a água, também.  


 
O uso de dois quartetos diferentes foi intencional desde o início? 
Não. O primeiro quarteto - com o Abe Rábade e dois músicos de Lisboa, o Carlos Barretto [no contrabaixo] e o Ricardo Toscano [no saxofone] - já o tenho desde 2014. O outro quarteto é mais recente e tenho-o aqui no Porto, com músicos de quem sou fã. Já há muito tempo que admiro o argentino Demian Cabaud, que toca contrabaixo e vive no Porto, o saxofonista José Pedro Coelho, de quem também sou fã, e um jovem pianista que me foi sugerido por várias pessoas (incluindo o Mário Laginha), que tem 23 anos e poderá vir a ser um grande músico [Miguel Meirinhos]. Ele já é um grande pianista, mas creio que no futuro aparecerá ainda com mais força. Este quarteto [Abissal, de nome] é o grupo com que estou a tocar todas as semanas, sejam standards ou originais.  
 
Porque é que escolheu este formato de quartetos? 
Tem sido o formato que tenho desenvolvido de há oito anos para cá. Põe-se agora a hipótese de se fazer concertos com os dois quartetos, o que seria engraçado. No fundo, somos sete pessoas. Poderá ser possível juntar no final os sete em palco, o que passaria a ser um septeto. Normalmente, prefiro secção rítmica + sopros, sinto mais liberdade. Não é que eu tenha alguma coisa contra grupos de guitarra e piano. Mas o jazz, basicamente, é uma conversa entre todos. Mas normalmente há mais espaço se só tiveres um instrumento harmónico, ou a guitarra ou o piano. Mas os dois também são possíveis. Aliás, há três anos, toquei com o Gary Burton e aí tínhamos piano, guitarras e vibrafone. 
O tema [de avanço 'Só Ten o Corpo Memoria'] é do Abe Rábade, mas creio que o mais interessante é a interação e o que conseguimos fazer, tendo como ponto de partida essa composição. Mas há outros casos. O primeiro tema com o Quarteto Abissal, 'El Árbol Negro', é uma música modal, mas é talvez uma das mais intensas do disco, por causa da conversa que conseguimos construir. O jazz tem a particularidade de ser uma música elástica. A partir de um pequeno motivo, conseguimos construir uma pirâmide.    


 
O Mário atribui a cada quarteto um oceano específico? Um dos quartetos chama-se Pacífico. 
O outro pode ser o Atlântico, por ser mais agitado e salgado. Pacífico é um dos temas, do Ricardo Toscano. É o último do primeiro quarteto. Achei que ficavam bem o nome. E depois, há a importância que tem o Pacífico. É o maior e mais antigo de todos. É onde está o chamado sétimo continente, que é aquela grande lixeira, entre o Havai e a Califórnia e que já ultrapassa três Franças. Felizmente, temos um jovem chamado Boyan Slat, que fez uma empresa, The Ocean Cleanup. Estrearam um sistema de limpeza de plásticos e de outros detritos, com muito sucesso. Inventou também um sistema de limpeza mais pequeno, para ser colocado nos rios. Ele fez um levantamento dos mil rios mais poluídos do planeta. É uma empresa fabulosa, sem fins lucrativos, que está a fazer coisas geniais para o futuro. 

Quando tal for possível, as atuações com este álbum vão ter mar por perto? 
Imagino-os em qualquer lado. Prefiro homenagear e agradecer às pessoas que lutaram por um mundo melhor e mais limpo, sem ir por aquele caminho fatalista do fim do mundo. Não me interessa essa posição. Em todos os discos próximos, haverá sempre um tema aglutinador, que sirva de motivo para nos inspirarmos para fazermos músicas originais sobre as quais vamos improvisar. O mar é a coisa mais importante que existe e comecei por aí.

 

Agrada-lhe que o seu nome tenha mar lá dentro? Sei que a pergunta parece tola. 
Mar e rio! Nasci no Porto e sempre tive o rio e o mar. Acho piada ter as duas coisas. Já frequentei muito a Ribeira. Agora raramente vou ao Porto, vivo a 12 quilómetros. Só vou quando tenho mesmo que ir. Vivo no paraíso. Estou a 12 quilómetros da Ponte da Arrábida e vivo no campo, junto à praia. Miramar, Aguda e Granja são as minhas zonas preferidas. É perto do Porto e é calmo. Acho que vou ficar por aqui. 

Sente musicalidade no mar?
Sempre associei o barulho do mar e aquele ruído branco a uma espécie de reset. Ouvir aquele barulho de fundo limpa. Uma das coisas que temos no olfato, na visão, na audição, é que nos adaptamos rapidamente à temperatura, ao cheiro, através de um equilíbrio de médios, agudos e graves. Qualquer profissional neste ramo tem que fazer resets para perceber que não está no caminho errado. Os nossos sentidos são muito traiçoeiros. O mar também me faz lembrar o palco e lantejoulas, por causa daqueles brilhos. 

Tocou ou produziu alguns dos álbuns históricos da música portuguesa fora do jazz, como "Mingos & Samurais" do Rui Veloso, os álbuns de Pedro Abrunhosa com os Bandemónio, ou os álbuns dos Ornatos Violeta. Pressentiu que esses discos iriam fazer história ou que iriam ter impacto? 
Não, absolutamente nada. Nunca me preocupei com o sucesso, para mim é só uma questão de quantidade. A única coisa que me preocupa é ver se está bem, que é bom, que não conseguimos fazer melhor e que está pronto. Já tive convites para coisas que não gosto ou que estão fora do meu âmbito. Só aceito fazer as coisas que posso fazer bem. A única diferença entre 50 pessoas e 5000 é apenas de 4950. Alguns dos trabalhos mais valiosos para mim venderam muito pouco.