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Houdini Blues: sonhos de volta à infância

Quinto álbum "Crisântemo Azul Transgénico" sai nesta segunda-feira. O vocalista Hugo Frota explica-nos tudo.

Houdini Blues: sonhos de volta à infância
DR - foto oficial dos Houdini Blues

À antiga, os Houdini Blues lançam a uma segunda-feira (o dia em que os discos eram dantes editados na Europa) o quinto álbum do seu percurso de 24 anos, de nome "Crisântemo Azul Transgénico".

O reposto quinteto eborense, onde regressou o baterista Sérgio Carmo, sobe nesta sexta-feira, dia 18, ao palco do Centro Cultural da Malaposta, junto a Odivelas, para apresentar ao vivo a recente colheita.  

O vocalista Hugo Frota fala-nos sobre a química musical de "Crisântemo Azul Transgénico", de hoje para sempre no domínio público.

Tal com muitas outras bandas, os Houdini Blues também vinham usando por necessidade o processo de distanciamento social na gravação de novos temas. Atendendo à pandemia, o disco "Crisântemo Azul Transgénico" brotou na época adequada?
Acaba por ser. Já tínhamos terminado o álbum. Tinha havido a hipótese de lançarmos o álbum em 2019. Quando andávamos com isto um pouco encalhado, alterámos a escolha do single em 2020. Tivemos que gravar um videoclipe [de 'Tolstoi'] que, inicialmente, não estava pensado. Quando já tínhamos as coisas preparadas, acontece tudo isto. Ainda ficámos a pensar mas achámos que fazia todo o sentido lançá-lo independentemente de como as coisas se encontrassem, porque achávamos que [o álbum] representava o espírito da época, até porque não sabíamos o desenlace de tudo isto. Foi no início de abril que decidimos avançar. Faz sentido pô-lo cá fora nesta altura porque acho que tem tudo a ver.

Tu vinhas sendo tão só o vocalista e letrista. Com estas opções de instrumentação digital, passaste a sentir-te mais músico?
Sim, acabei por ter de me chegar um pouco mais à frente. Dos nove temas [de "Crisântemo Azul Transgénico"], há para aí quatro que partiram de mim. Antes, eu estava refém do que eles produziam e acabava por adaptar as letras que fazia. Aqui, não sendo eu um músico, comecei a compor e a brincar com os instrumentos e com os samples. Seguimos sempre um processo democrático, em que submetemos os temas e as experiências de cada um a votação. Umas coisas caem, outras não. É muito interessante todo este mundo novo que se abre. O pessoal do hip hop tem isto muito mais presente, partindo de instrumentos virtuais e de samples que abrem todo um mundo de possibilidades que já tínhamos começado a explorar nos outros álbuns. Agora tornou-se a nossa moeda de circulação, por vicissitudes da própria banda, em que fomos empurrados para geografias várias. Este acaba por ser o método mais fácil de compor.  

A canção 'Tolstoi' representa a vossa faceta de rock de intervenção?
Sim, eu acho que acaba por ser uma tendência que está aflorar e que está mais presente naquilo que estamos a fazer. Sinto cada vez maior necessidade de escrever, a tentar chatear, picar, espicaçar, a tentar pôr o dedo nas feridas das coisas que me incomodam e não um mero exercício estético que também me dá algum gozo. Mas sinto cada vez mais necessidade disso. Estamos a chegar a uma fase em que estamos cada vez mais dececionados e chateados com o mundo à nossa volta. As ilusões que tínhamos aos vinte e poucos anos vão esbarrando no mundo que se vai sucedendo e que nada muda. O 'Tolstoi' acaba por ser por aí, a ver aquelas personagens e o esquema que está montado. Começamos a ficar incomodados com essas coisas e a música cada vez mais está obrigada a ter esse papel. 

 

O adjetivo de empreendedor merecia melhores retratados? A palavra tem sido mal aplicada?
Acho que sim. Há umas quantas coisas que nos têm sido vendidas como positivas - o empreendedor, a meritocracia -, uma data de aldrabices que têm como intuito alimentar esta máquina infernal em que estamos metidos da produção, do consumo, do trabalho. O empreendedorismo é alguém com iniciativa, isso é bom. Mas há um endeusamento e um círculo de ganância e de absurdo. De repente, olhamos à volta e vemos que tudo isto é absurdo: “produzir, produzir, produzir”, “mais, mais, mais”. Isto não leva a lado nenhum, não pode ser isto o objetivo de uma sociedade saudável.  

Como letrista, desdobras-te em vários ângulos. Porque é que guardaram para as últimas três faixas ('Lição', 'Insónia em Dó Maior', 'Tão Mais Fácil') o teu exercício mais surrealista?
Acabámos por agrupar mais para o fim esses três temas, que têm uma dose de surrealismo e também da temática da infância. Outras músicas que deixámos cair abordavam a infância. A escolha do nome do álbum tornou-se um bocado complexa porque andávamos muito à volta de palavras e frases que nos remetessem para a infância. Pensámos em várias hipóteses mas nada nos agradava. Às tantas, decidimos não ser tão obsessivos com isso. O álbum não andava só à volta dessa temática, mas a infância foi o mote inicial. Quase todos temos passado pela experiência da paternidade. Quando estás com 40 anos, começas a olhar muito para trás, sobre o que foi a tua infância, as pessoas que conheceste. Há ali um momento de surrealismo e de sonho, de sentires que estás a relatar memórias que são um bocado difusas mas que estão sempre presentes. Eu estava a ler notícias na net e de repente deparo-me com o assunto da manipulação e dos crisântemos azuis transgénicos. Além de eu gostar esteticamente da junção daquelas três palavras, tem tudo a ver com aqueles nove temas que estão ali a pairar, por causa da manipulação e da tentativa de produzir algo belo [associado aos crisântemos azuis transgénicos].

Já levam 24 anos e ainda por cima recuperaram o baterista antigo (Sérgio Carmo) e o formato de quinteto. Lamentas os longos interregnos do grupo ao longo dos anos mais recentes?
Sim, lamento essencialmente entre o "F de Falso" [de 2006] e agora este, o Crisântemo, só termos feito um álbum no meio ["Suão", de 2011]. Acho que é pena, acima de tudo porque estávamos num crescendo que acho que traria maiores dividendos, que não são económicos, nem conotados com a fama. Havia ali toda uma dinâmica de concertos que estava criada. Em 2006, tínhamos tocado bastante. Estávamos com a máquina bem oleada e aquilo acabou por se perder. 

 

Cantas sobre os fora-da-lei e sobre cactos no tema 'Califórnia'. É verosímil um dia os Houdini Blues darem uma guinada de forma mais conceitual, a um modo alentejano, para um mundo de westerns mais sujos e menos maquilhados, mais próximo do western spaghetti e da visão da Cinecittà e não tanto de Hollywood? 
É uma temática que nos atravessa constantemente. A outra das questões é a do Alentejo e do sul mítico. Toda essa questão de um western spaghetti, de um western forjado na Europa mas que serve os propósitos de simular era uma coisa que acharíamos piada. Em quase todos os álbuns, resvalamos um bocadinho para lá. Já no segundo álbum ["Extravaganza"], tínhamos o 'Cabbala', com referências das guitarras ao Morricone [compositor das bandas sonoras dos filmes de western spaghetti de Sergio Leone], no álbum "Suão" tentámos dar o mote para o sul e as suas várias vertentes. Fazer um álbum totalmente dedicado a isso seria interessante, mas acabamos sempre por fugir para outras coisas, acho que temos alguma dificuldade em manter vários temas na mesma direção. Faz parte da nossa idiossincrasia misturarmos várias coisas.   

O vocalista Hugo Frota, o guitarrista Gonçalo Frota, o teclista João Cordeiro o baixista Ricardo Gonçalves e o baterista Sérgio Carmo compõem a formação que gravou "Crisântemo Azul Transgénico".

Os bilhetes para a atuação no Centro Cultural da Malaposta (às 22h00 de 18 de setembro) têm o preço único de dez euros.