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Kraftwerk: Florian Schneider traçou a reta para o futuro

A par de Ralf Hütter, Schneider transformou a música numa engenharia fascinante.

Kraftwerk: Florian Schneider traçou a reta para o futuro

Florian Schneider (1948-2020), cuja morte tinha sido anunciada esta quarta-feira, foi um dos grandes pensadores dos Kraftwerk, juntamente com Ralf Hütter. Ambos dispensaram o estrelato. Em vez de quererem ter as vistas sobre cada um deles, preferiam ser eles a terem a visão sobre o mundo. Substituíram-se por bonecos quando foi preciso e diluíram-se numa espécie de anonimato, preferindo realçar a sua conceção muito própria sobre o quotidiano, jamais destacando as particularidades das suas personalidades individuais. Pouco ou nada sabemos sobre Ralf Hütter e Florian Schneider como pessoas e no entanto deram-nos tanto.

Os Kraftwerk são sem dúvida os grandes revolucionários da electrónica, com uma mão cheia de grandes álbuns que foram um empurrão à música digitalizada. A proveniência de uma região industrializada como a cidade de Dusseldorf influenciou a música maquinal dos Kraftwerk, o grupo que cantava através dos robóticos vocoders.

 


Com uma pose estática mais pertinente que a agitação de muitos, o quarteto germânico marcou a pop e o rock até aos dias de hoje. David Bowie, Depeche Mode ou os Human League não teriam sido os mesmos sem os Kraftwerk. Através do seu enorme pioneirismo, os Kraftwerk criaram uma árvore genealógica gigante, que vai hoje de géneros electrónicos mais vanguardistas como o dubstep à pop mais popular.

Este muzak de outro planeta tornou-se na banda sonora das noites das cidades que se ouve hoje através de outros projetos.

Com um nome em alemão que significa "central eléctrica", os Kraftwerk são formados em 1970 por Ralf Hütter e Florian Schneider, os grandes cabecilhas do grupo.
 
O colectivo começou por fazer parte da cena experimental do rock alemão, juntamente com os Can ou os Neu!, quando os Kraftwerk ainda tinham uma aparência hippie e até um baterista. Eram os tempos em que Florian Schneider tocava flauta transversal.

 


 

A estética do quarteto só começa a ganhar a forma e a ter impacto internacional com o quarto álbum “Autobahn”, em 1974. Os Kraftwerk deixam então de ser apenas instrumentais e entram numa era de álbuns conceptuais.

Em vez de capas autoreferenciais típicas do rock, os Kraftwerk usam para o álbum “Autobahn” uma capa com uma referência à sociedade em geral: a simbologia da auto-estrada, que molda o conceito destas músicas. É a partir deste disco que os Kraftwerk começam a fazer história na música... A auto-estrada para o futuro foi por aqui!

 

Seguiu-se a interferência de ondas curtas vinda diretamente do álbum 1975, “Radio-Activity”, que é outra obra conceptual dos Kraftwerk, desta vez dedicada à radio e à radiação, mas que lhes valeu críticas injustas de que eram apoiantes da energia nuclear.
 
Com o álbum "Radio-Activity", a banda começa a usar a língua inglesa conjuntamente com o alemão, em mais um sinal da internacionalização dos Kraftwerk que conseguem com este disco o 1º lugar de um grande top de vendas estrangeiro como o francês. 

O mundo vai sendo surpreendido com o som diferente dos Kraftwerk mas a sua inovação não é só musical, é também técnica. Através de amigos engenheiros, criou-se nova maquinaria sonora de propósito para corresponder à música futurista do colectivo de Dusseldorf.

 

Durante o auge criativo dos Kraftwerk nos anos 70, David Bowie declara-se mesmo um fã do grupo alemão. E melhor publicidade internacional que um elogio de David Bowie não havia na altura. O Camaleão e os Kraftwerk estiveram mesmo quase a colaborar em 1977, o ano em que o coletivo alemão lançou o histórico álbum “Trans-Europe Express”, que lança as sementes para o boom de electrónica nas pistas de dança.

   
Em contraste com o mundo de música vanguardista em que viviam, os Kraftwerk adoptam para o disco “Trans-Europe Express” uma imagem bem clássica de fato, colete e gravata e uma aparência de cavalheiros à moda antiga. Neste disco dedicado ao imaginário dos comboios, a estética temática é tão forte que até as faixas estão interligadas em cada lado do disco. Encarrilaram pelas linhas férreas da Europa, à velocidade do motorik e até do funk. 

 

Se o mundo receia as máquinas de inteligência artificial, esse nunca foi o caso dos Kraftwerk, ao ponto de dedicarem o álbum “The Man-Machine” aos robots. Os Kraftwerk dão até um toque extremamente humano à tecnologia através do seu forte sentido melodioso. Por trás das máquinas dos Kraftwerk, havia muita alma.
 
O cão pode ser o melhor amigo do homem, mas as máquinas são as melhores amigas dos Kraftwerk, espécie de colegas de carteira com quem interagem directamente. Quem controla quem, pouco importa.
 

Nos concertos da altura, em 1978, os membros humanos dos Kraftwerk são substituídos por robots que são sósias dos músicos. É o emprego tecnológico à disposição de um espectáculo e a pasmar o mundo da música. Como habitual nos álbuns dos Kraftwerk, a capa de “The Man-Machine” também criou a sua marca, com os quatro membros do grupo ordenados de forma muito disciplinada numa escadaria, enquadrados num vermelhão inspirado na propaganda soviética.

 


 

Quando a pop já tinha encorpado o som dos Kraftwerk, através da propagação do synth-pop de nomes como Gary Numan ou os OMD, os Kraftwerk lançam em 1981 o álbum “Computer World”, ligado conceptualmente ao mundo da informática e aos números. Este disco fecha um ciclo dourado de cinco álbuns dos Kraftwerk em que afirmaram de forma histórica a sua estética minimalista e erudita, que usava a repetição de forma retilínea e matemática.
 
A partir da erudição, os Kraftwerk compreenderam a música popular como poucos, antecipando o futuro de forma brusca.
 
Com todas as suas potencialidades técnicas, o estúdio foi a sua orquestra. Através do uso dos sintetizadores, os Kraftwerk tiveram uma visão orquestral que era futurista.

 


 
Os Kraftwerk continuam hoje um quarteto sob os comandos de Ralf Hütter. O coletivo alemão dá há vários anos espetáculos tridimensionais. O último desses concertos 3D em Portugal aconteceu na edição de 2019 do EDP Cool Jazz, em Cascais. 

 

Florian Schneider deixou os Kraftwerk em 2008.