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Carlos Neto (com Exclusivo Online)

Era o que Faltava

Temporada 2

08 fevereiro, 2021

Carlos Neto (com Exclusivo Online)

“As crianças, principalmente até à puberdade, não deveriam estar em casa, deveriam estar na escola. O ensino remoto é uma aldrabide, porque elas não têm capacidade para estar tantas horas a trabalhar de forma focada.” Quem o diz é Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana. “É muito pesado, é uma agenda pesadíssima, eu acho que isto é uma loucura existencial que não faz sentido, que não tem critério nem cientifico, nem político, nem económico.”

O professor esteve no Era o que Faltava no dia que o país voltou às aulas a partir de casa, pela segunda vez desde o início da pandemia. Carlos Neto colocou a hipótese de se fazer um ano zero: “Porque não existir o ano zero? Porque é que é preciso haver escola? Porque é que é obrigatório que as crianças tenham que ter as metas curriculares todas, num tempo de incerteza existencial, numa situação caótica em que vivemos, em que os pais vivem uma situação dramática, estarem em teletrabalho ao mesmo tempo que estão a apoiar os filhos, com uma injustiça enorme porque não existe de facto igualdade para todos…”


Ouvir conversa completa.

 

Estado de Emergência de Brincar ao Ar Livre

Carlos Neto é professor e é também um dos maiores especialistas mundiais na área da brincadeira e do jogo. No Era o que Faltava lembrou que as crianças precisam de brincar e que essa é também uma forma de preparar para o que terão de enfrentar na vida. Carlos Neto explica que as nossas crianças “não só não têm tempo para brincar, como o tempo que têm para brincar é estruturado - e isso é terrorismo completo que estamos a fazer ao ser humano. Não os estamos a preparar para o futuro, porque o futuro é incerto e imprevisível, implica um conjunto de competências de ser capaz de resolver problemas complexos, ter pensamento crítico, saber trabalhar em grupo, saber comunicar!”. E diz mais: “Temos de nos juntar para ultrapassar esta adversidade que nos apareceu, mas brincar é treinar para o inesperado, treinar para o incerto”.

Carlos Neto vai mais longe: "É preciso decretar o Estado de Emergência de Brincar ao Ar Livre e de forma livre na natureza. Há 100 anos, quando foi a gripe espanhola, foi esssa a solução: a sala de aula veio para o exterior". Até porque “quando nós vamos para o exterior o nivel de contágio é menor. Nós não aproveitamos o que é mais rico ao nosso redor”. E acrescenta que “é ao livre que temos a possibilidade de criar uma cultura de maior imunidade, maior resiliência”.

O professor compara ainda esta com outras gerações: “Temos de libertar as crianças para serem seres humanos em crescimento, para que possam adquirir um conjunto de experiências e vivências reais e não imaginárias, porque na sala de aula está tudo sentado, calado e quieto. Falta a experiência na rua: “Elas não vivem pelo seu próprio corpo como a gente viveu há 30 ou 40 anos na rua, era lá que tudo acontecia, no confronto com o risco, no confronto com coisas imprevisíveis e incertas, e era assim que nós aprendíamos”.

Falta visão espiritual

O autor de um dos artigos mais partilhados em 2020 considera, ainda, que falta visão espiritual. “As crianças são domesticadas logo desde muito cedo e há crianças que estão completamente medicadas, ao contrário de se deixar que elas se descubram e se revelem para perceber o que querem ser. Podem ser artistas, até podem não ser nada, mas são sempre alguma coisa e esta visão espiritual é a componente oculta e aquela que falta em todo o sistema educativo para termos cidadãos bem formados para o futuro para que possam ser empreendedores, ter sucesso e, acima de tudo, serem felizes! Como? Para isso, a criança precisa de três coisas essenciais: ter uma alimentação saudável, ter um sono regular e, acima de tudo, brincar muito”.
 

Duas Pragas

Nesta conversa na Rádio Comercial, com o Rui Maria Pêgo e a Ana Martins, Carlos Neto fala também em duas pragas na sociedade. Em primeiro lugar, “o medo que os pais e os adultos têm de libertar as crianças em termos de brincadeira livre e de se confrontarem com o risco e, em segundo lugar, uma super proteção - pais helicópteros – que vigiam completamente a vida dos seus filhos. E os adultos vigiam nas escolas, está tudo vigiado, como se fosse possível imaginar que brincar tivesse uma agenda”.

Técnicas para pais de crianças em situações de risco

Primeira técnica: Quando o seu filho estiver “em situação de risco físico ou outro, a primeira coisa que têm a fazer é virar as costas e deixá-los em paz”. É preciso considerar que há a relação entre o risco calculado e o risco real. E explica: “as crianças a partir dos 4 anos, 4 anos e meio, têm uma boa capacidade de ter percepção de até onde podem ir”.

Segunda técnica: “O pai ser capaz de ter capacidade de confrontar-se com o seu filho em estado de risco, ter segurança, mostrar tranquilidade e contar até 18. Enquanto conta até 18 as crianças resolvem o problema”.

O futuro vai trazer os hábitos do passado

“O homem vai ter a possibilidade de ter mais tempo para não fazer nada porque a inteligência artifical a robótica, as neurociências, a genética vão modificar completamente o cenário do que vai ser a nossa existência e eu penso que vai haver condições para termos de volta a nossa adolescência, a nossa infância vivida de uma forma lúdica, em que possamos ter a identidade do local onde crescemos, onde vivemos e, portanto, termos em plenitude aquilo que nos é devido.