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Miroca Paris: D'Alma de Cabo Verde hoje no Capitólio

O multi-instrumentista é um dos músicos lusófonos convidados para a digressão de Madonna. Hoje vai mostrar o disco "D'Alma" no Capitólio, em Lisboa. Nancy Vieira, Tito Paris e Rickey Pageot (pianista e acordeonista de Madonna) são os convidados.

Miroca Paris: D'Alma de Cabo Verde hoje no Capitólio
Alfredo Matos


É um dos músicos lusófonos que Madonna convidou para a digressão que está agora no Coliseu dos Recreios. Miroca Paris aproveitou a passagem de Madame X por Lisboa para celebrar as canções do disco "D'Alma" que editou em 2018.

O concerto está marcado para esta sexta-feira (dia 17) no Capitólio, em Lisboa. Nancy Vieira, Tito Paris (tio de Miroca Paris) e Rickey Pageot (pianista e acordeonista de Madonna) são os convidados especiais.

No palco, o multi-instrumentista vai dividir-se pela percussão, guitarra e voz, levando consigo mais seis músicos. A morna, recentemente considerada Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, também será celebrada.

Conversámos com o músico cabo-verdiano que, além de Madonna, teve o privilégio de andar na estrada com outra rainha, a da morna. Miroca Paris acompanhou Cesária Évora na estrada durante 11 anos. Como um dia a Diva Descalça desejou, Miroca Paris está agora partilhar a sua própria música com o mundo.



Cresceste numa família de músicos. Estás rodeado por notas musicais desde a infância. Como é que foi crescer nesse ambiente tão musical?


Tive muita sorte por ter irmãos, tios e primos músicos. Sempre os vi como ídolos. Continuo a aprender muito com eles, mesmo aqui em Lisboa. Uma das minhas grandes inspirações, seja a compor ou no palco, é o Tito Paris. Inspira-me muito. É também um dos meus convidados para o concerto [no Capitólio] no dia 17.

O Tito Paris é teu tio. Parece que o talento para a música é hereditário. O ritmo está no sangue.


Sim, é. O meu bisavô já era músico. Lembro-me que, nos anos cinquenta, ele abria o portão [de casa] e tocava violino para os vizinhos. Não eram muitos, deviam ser para aí uns vinte, era um lugar muito pequeno. Já o meu avô tocava banjo, baixo e guitarra. E depois, ainda tenho os meus tios, o Tói, o Tito e o Manuel Paris. Cresci a vê-los trocar de instrumentos. Tocavam muitos instrumentos. Na altura, essa troca parecia-me algo muito natural. Mais tarde é que percebi que uma pessoa podia focar-se apenas num instrumento e viver a vida a tocar assim. Também aprendi muito com os meus avós, vivi muito tempo com eles. Ensinaram-me muita coisa boa. Tínhamos uma casa que parecia um comboio. Aliás, todos os grupos do Mindelo, na ilha de São Vicente, ensaiavam lá. Vi os grandes nomes da música cabo-verdiana a ensaiar lá em casa. Vim de longe, trabalhei para chegar aqui, mas também tive muita sorte. Onde estou é o resultado da mistura de tudo isto mais o amor à música.

É uma nostalgia muito bonita. Essa saudade que tens de Cabo Verde também está na tua linguagem musical?

Sim, está. Nós, cabo-verdianos, estamos muito conectados com a imigração porque crescemos com várias dificuldades. Temos necessidade de viajar e procurar uma vida melhor. Foi isso que os meus pais fizeram. A minha mãe foi viver para França e o meu pai foi estudar para a Rússia. Isso fez com que passasse a minha infância com os meus avós. É uma coisa que marca. (...) Talvez seja por isso que, quando apanhamos uma caneta e surge uma melodia bonita, queremos escrever uma poesia ou criar uma história. O passado dá-nos uma lição. Falar sobre o que aprendemos numa canção é das coisas mais bonitas que temos.

Tu também tocas vários instrumentos. Sentes necessidade de explorar as diferentes possibilidades da música?

Sim. Em Cabo Verde, tocamos por vontade. Não há ninguém que toque à força. A música é um presente. Podemos estar na rua com um violão e dizer, ‘olha, quero oferecer-te uma morna’. Quando nos punham a tocar lá em casa, era para receber as pessoas. Era uma forma de morabeza. (...) Quando vim para Lisboa e comecei a trabalhar no B.Leza, senti necessidade de crescer, de ser mais que aquele rapaz que veio de Cabo Verde. Precisava de avançar. Comecei a pesquisar, a andar à procura de outras coisas. (...) Lembro-me da cassete que mudou a minha vida. Foi um concerto que a Gloria Estefan deu em Miami. Ouvi mais os percussionistas do que os outros músicos. Consumi aquela cassete. Abriu-me os horizontes como músico. Vi o que era possível fazer no mundo da percussão. Ajudou-me também a dar visibilidade e a ajudar os artistas que passavam pelo B.Leza. Às vezes, até levava instrumentos novos. Era importante acompanhá-los e promover essa versatilidade, a vontade de poder mudar. Foi nessa altura que comecei a trabalhar a minha voz, a fazer coros, por exemplo. E foi quando a Sara [Tavares] apareceu e viu isso. 


A Sara Tavares foi buscar-te ao B.Leza, depois a Cesária levou-te para Paris e agora estás no palco com a Madonna...


E com Sara e a Cesária houve muitos músicos. Pelo caminho, gravei com muitos músicos e participei em muitos discos. Em Paris, os músicos que tocavam com a Cesária Évora eram muito requisitados, sobretudo na comunidade francófona. Trabalhámos com muita gente interessante. Compay Segundo, Caetano Veloso, Charles Aznavour, Marisa Monte, muitos músicos cubanos incríveis. Esses sons estão todos no meu disco. Quando senti que era altura de fazer o disco, os onze anos com a Cesária Évora estavam na minha cabeça. Estavam estes músicos todos. O disco foi gravado em seis países diferentes por isso mesmo. Além disso, a música de Cabo Verde já é um cocktail, muito bem misturadinho, das ilhas. A música cabo-verdiana tem os braços bem abertos para receber qualquer tipo de instrumento, qualquer cultura, qualquer verdade musical. Qualquer pessoa consegue sentir que faz parte da música de Cabo Verde.

 



O "tocar por vontade", como dizes, e essa disponibilidade para misturar influências e culturas foi o que inspirou a Madonna a criar o disco "Madame X" e a digressão que está agora em Lisboa. No concerto, sentimos a gratidão da Madonna pelos músicos que a ajudaram a redescobrir essas emoções. Como é que vocês se sentem com isso?

A Madonna nunca iria tirar crédito de outros. Vai agradecer-nos sempre por estarmos no caminho dela. E nós agradecemos-lhe pelo que está a fazer. É incrível. Veio para Lisboa por outros motivos, por motivos familiares, para acompanhar os filhos no crescimento e acabou por conhecer pessoas. Foi parar a bares e restaurantes de fado e foi nessa altura que começou a ganhar aquele bichinho da música que se sente aqui em Lisboa, o bichinho de ver música ao vivo. A Madonna deixou-se levar e encantar por isso. (...) Sentimos uma gratidão eterna pelo que está a fazer, a levar as culturas portuguesa e cabo-verdiana pelo mundo. Acredito que vai continuar a fazer isso. (…) Quis e quer dar-nos essa visibilidade. Foi por isso que também gravou o concerto aqui. Não sei quem é que está mais grato, se nós ou ela.

 



Agora sobes ao palco com a Madonna e durante 11 anos tocaste com a Cesária Évora. Ouvi dizer que estavas presente quando as duas se conheceram, é verdade?

Sim. Foi no Queen Elizabeth Hall, em Londres. Estiveram juntas no camarim. (...) A Cesária esteve para cantar no casamento da Madonna, mas isso nunca chegou a acontecer. Ficou a boa conexão entre as duas. A Madonna ainda é fã da música da Cesária, tanto que [nos concertos de Madame X] canta um dos temas do seu repertório. Faz questão de dizer ao mundo inteiro que a Cesária foi uma mulher incrível, da mesma forma como fala da [fadista] Celeste Rodrigues com quem teve uma experiência muito boa aqui em Portugal. 

No rescaldo desse contacto com tantos músicos, tantas entidades musicais, o que é que sentes que aprendeste?


Aprendi tudo o que sei, mas em grande. Claro que estou sempre a aprender, como toda a gente. Estamos sempre a aprender, há sempre uma novidade. Aprendi uma nova forma de "explorar" as coisas. [Com a Madonna], exploramos o palco do Coliseu até ao último milímetro. É ver o que é que o último centímetro nos pode dar. Tirar a parte mais positiva das coisas e ter a noção de que podemos dar sempre mais, que tudo pode correr melhor, que pode sempre melhorar. É fazer um pouco mais de esforço, trabalhar mais umas horitas e saber que isso vai refletir-se no concerto. Eu já seguia essa ideologia, a de trabalhar sempre mais, mas assim tanto não. Acho que vou ter saudades de trabalhar no duro. Não acredito que haja mais alguém que trabalhe tanto assim. As capacidades de cada um são exploradas ao máximo. O que tens de melhor é explorado. Eu, por exemplo, toco vários instrumentos no concerto. Toco guitarra e diversos instrumentos de percussão. No fundo, é o que faço nos meus concertos. Toco vários instrumentos de percussão, como o ferrinho do funaná, a timbalatina que aprendi a usar em Cuba, as congas, a guitarra e também canto. Já tinha essa forma de estar, mas agora parece que ficou tudo mais definido. 

Recentemente, a morna foi declarada como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. O que é que sentiste quando soubeste?

Quando soube, estava em Miami com a digressão da Madonna. (...) Ainda estou radiante com a notícia e a digerir a novidade. Tive a sorte de tocar com a rainha e com o rei da morna, a Cesária Évora e o senhor Bana. Antes deles, que já não estão connosco, estavam outros e eu estou aqui em nome deles. Só posso agradecer a todos que fizeram com que a morna fosse considerada património de todos pela UNESCO. (…) Tenho uma gratidão absurda por todos. Deixaram uma obra incrível. No meu concerto também vou ter mornas. A Nancy Vieira vai lá estar e vai tocar mornas. Também vai lá estar o Tito Paris. Vamos aproveitar para celebrar a morna e relembrar as pessoas que trabalharam muito, mesmo sem condições. Sem cordas para pôr nas guitarras, por exemplo. Nem afinador havia. Tínhamos de afinar de ouvido. 

O que é que a morna te transmite?

Transmite o que estou a sentir agora. Gratidão por Cabo Verde. Gratidão por todos os compositores e poetas que escrevem sobre a nossa realidade, a realidade das ilhas. Antigamente, na Boavista - uma das ilhas onde a morna nasceu - usavam a morna como uma forma de expressão para criticar, mas agora é diferente. A morna é uma melodia muito suave. É uma harmonia que nos faz sentir bem. O nome diz tudo. É uma música que nos "bate". Quando estive na Rússia com a Cesária Évora, assim que a Cesária pisou o chão russo, vi pessoas à frente a chorar. Essa experiência deu-me outra visão sobre a música que temos, sobre o impacto que tem nas pessoas.  

 



É algo que vem da alma, o que nos leva para o teu disco. Chama-se "D'Alma", que alma é esta?


Quando pego num instrumento para tocar, dizem-me que toco com a alma. Senti que este disco vinha mesmo daí, da alma. Senti que a melodia, cada nota, cada ritmo que pus no disco vem da alma. Não havia melhor título.

Como foi fazer a gestão de tantas influências?

Foi um pouco complexo. Um disco nunca está finalizado, pode ser sempre mais trabalhado. Com o caminho que fiz e com todas estas influências, não foi fácil dizer que o disco estava acabado. Tentei gerir tudo, mas perguntava-me, 'o que é que vou pôr aqui, que ingrediente é que vou usar?' Nesta parte, sinto mais Angola, agora sinto mais Brasil.' Comecei a chamar os meus comparsas, os meus amigos, os meus queridos músicos para que cada um "pintasse" a sua cor no álbum. Que contribuísse com um ingrediente. Faz parte. A música é isso mesmo. É partilha. No início foi mais complexo, mas depois começou tudo a fluir. 
 



Há um tema, o 'Mund Amor', que tem uma mensagem muito urgente...

Sim. Foi um dos últimos temas que compus. Precisava de um single, de uma música que tivesse algum impacto nas pessoas. (...) Queria um tema suave, que não fosse uma morna, mas que fosse algo entre a morna e a coladeira, até porque a morna é uma coladeira mais lenta. Acabei por encontrar o meio termo, algo que não tivesse um impacto muito forte em termos de ritmo. Fiz o 'Mund Amor' numa altura em que senti que o mundo não estava bem. Estava a acontecer muita coisa má. Resolvi juntar as palavras "mund" e "amor". É o amor ao próximo, o amor próprio, o amor aos seres humanos. Nascemos para viver, não para nos matarmos uns aos outros. Senti necessidade de escrever esta música. De transmitir esta mensagem com uma melodia suave. Espero que a mensagem seja recebida da forma como quis enviá-la.

Quanto ao teu concerto no Capitólio. Sei que vais ter convidados. O que é que podes contar sobre o que vai acontecer mais logo?

Vai ser um concerto do Miroca Paris que volta a Lisboa. Entre os concertos da Madonna, vou levar música ao Capitólio. Vou ter um músico da Madonna como convidado, vou também ter a Nancy Vieira e o Tito Paris, dois músicos a quem estou muito grato e que me convidaram várias vezes para cantar nos concertos deles. Quero também comemorar a morna com eles. Para mim, eles são os expoentes máximos da morna aqui em Lisboa. São dois grandes embaixadores que levam a morna a muitos países, a várias partes do globo. Viajam muito e fazem sempre questão de levar a morna com eles. Também vou ter a minha banda que, no fundo, são os meus amigos. Já tocamos juntos há algum tempo. Finalmente, vou poder tocar numa sala grande em Lisboa. Conto com a presença de todos.

Concerto no Capitólio:

Abertura de Portas: 20h30
Início do Espectáculo: 21h30