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Tudo o que precisa de saber sobre a greve dos guardas prisionais

As greves podem condicionar visitas dos reclusos até ao início do próximo ano.

Tudo o que precisa de saber sobre a greve dos guardas prisionais

Greves de guardas prisionais, uma delas iniciada hoje, podem condicionar visitas e festas de Natal dos reclusos até 06 de janeiro, num período de tensão que já levou a um motim em Lisboa e protestos noutras prisões.

Quais são as reivindicações dos guardas prisionais?

Está em causa a conclusão da revisão do estatuto profissional, nomeadamente a atualização da tabela remuneratória, a criação de novas categorias, em que os guardas prisionais exigem equiparação à PSP, e um novo subsídio de turno.

Descongelamento das carreiras e novas admissões para o corpo dos guardas prisionais são outros motivos dos protestos.

Além disso, os guardas prisionais contestam o novo horário de trabalho, em que dois grupos estão ao serviço entre as 08:00 e as 16:00, e são depois rendidos por uma equipa até às 00:00 e por outra até às 08:00.

No período entre as 16:00 e as 19:00, que coincide com o horário das visitas, alimentação, medicação e entrada dos reclusos nas celas, os guardas prisionais têm de estender o seu horário de trabalho através da realização de horas extraordinárias pagas.

Que formas de luta estão a ser usadas?

Desde o início do ano, os guardas prisionais têm desenvolvido várias formas de protesto, logo em janeiro, com a marcação de uma semana de greve às horas extraordinárias em seis estabelecimentos prisionais, a que se seguiram outras paralisações semelhantes centradas no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) e de Custóias, no distrito do Porto.

Em outubro, os guardas voltaram a uma greve nacional de três dias e, em dezembro, pararam mais quatro.

A par das greves, os sindicatos representativos do setor marcaram várias vigílias junto da residência do primeiro-ministro e da Presidência da República e participaram em manifestações conjuntas com outras forças de segurança.

As paralisações têm provocado alterações nas rotinas dos reclusos, nas visitas de familiares e na realização de diligências judiciais por falta de transporte.

Qual a relação entre os protestos e o motim em Lisboa?

Segundo a Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais e (DGRSP), o motim ao fim da tarde de 04 de dezembro na ala B do EPL, coincidindo com o último de quatro dias de greve dos guardas prisionais, foi provocado pela revolta dos reclusos ao tomarem conhecimento de que não teriam visitas no dia seguinte devido à marcação de um plenário do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP).

Os reclusos amotinaram-se com gritos, queimaram colchões e papéis e partiram a algum material, obrigando os guardas prisionais a "usar a força" para os devolver à suas celas.

Em reação, o SNCGP disse que "a Direção-Geral [de Reinserção e Serviços Prisionais] está a aproveitar a situação para atirar a responsabilidade para cima do sindicato e do corpo da guarda prisional, o que é lamentável", além de não reconhecer que "o novo horário criou muitos constrangimentos aos visitantes e aos reclusos visitados".

No dia seguinte, os reclusos de Custóias recusaram-se a almoçar, obrigando os guardas prisionais a disparar balas de borracha para o ar para repor a ordem e no Estabelecimento Prisional masculino de Santa Cruz do Bispo, também no distrito do Porto, os prisioneiros negaram-se a jantar antes de recolherem ordeiramente às celas.

Quais os próximos protestos?

Os guardas prisionais iniciaram hoje uma nova greve nacional que se prolonga até 18 dezembro, convocada pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), o mais representativo do setor. 

Outra estrutura sindical - o Sindicato Independente do Corpo da Guarda Prisional (SICGP) - anunciou por seu lado que vai realizar uma greve entre 15 de dezembro e 06 de janeiro.

Em comunicado, a DGRSP assegurou que os serviços mínimos que estão garantidos para a greve, apesar de não ter havido acordo para a realização das festas de Natal, incluindo almoço/visitas de família já programados.

"Atendendo ao prolongamento da greve no tempo e ao conhecimento de novas greves, as quais se prolongarão até dia 06 de janeiro de 2019, a DGRSP procurou incluir ainda nos serviços mínimos, para além das festas de Natal, incluindo os tradicionais almoço/visita de família já programados, a possibilidade de realização de um telefonema semanal, bem como de visita nos dias de Natal e de Ano Novo, aguardando a competente decisão do Colégio Arbitral", refere ainda a DGRSP.

Em relação ao período de Natal, neste momento estão apenas garantidas as festas com os filhos das reclusas.   

O que diz o Governo?

A marcação de um novo período de contestação, em outubro, foi justificada pelos sindicatos com o incumprimento do executivo em concluir a revisão do estatuto profissional da classe até final de setembro.

Na ocasião e a propósito de mais uma greve no setor, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, disse que o Governo estava disponível para negociar com os guardas prisionais.

"O Governo negoceia na área da justiça, como em todas as áreas. O Governo tem sempre negociado com as estruturas sindicais representativas. Obviamente continuará a falar com os sindicatos do corpo da guarda prisional, como falou até agora", afirmou a governante, embora não sejam conhecidos quaisquer avanços no diálogo desde então.

Já em abril, o primeiro-ministro alertava, no final da formação de 386 novos guardas prisionais, que o investimento por parte do Estado não podia criar "novos problemas" financeiros. 

"Como acontece com o sistema prisional, sabemos bem que o esforço que foi feito, que corresponde à vossa incorporação, não é suficiente e tem que se prosseguido, como tem que ser prosseguido o investimento na saúde, educação e noutras nas áreas da ação do Estado", afirmou António Costa.

Na mesma linha, a ministra da Justiça, reagindo aos distúrbios em Lisboa, afirmou que, das reivindicações dos guardas, "algumas podem ser satisfeitas e outras, porque têm um impacto financeiro muito pesado, não podem".

Sobre o novo calendário de paralisações até ao início do próximo ano, Francisca Van Dunem defendeu que, "do ponto de vista humano", esta altura não é a ideal para os guardas prisionais cumprirem períodos de greve, dizendo que os mais prejudicados são os reclusos.

"Do ponto de vista humano não é o período ideal para encetar este tipo de luta. Estou convencida que os guardas prisionais, até pela carreira que escolheram, têm um elevado grau de humanidade", afirmou Francisca Van Dunem, sem se referir ao reatamento das negociações.

Qual a posição da Direção-Geral dos Serviços Prisionais?

Muito contestado pelos sindicatos, sobretudo pela aplicação dos novos horários, o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Celso Manata, sustentou que a contestação dos guardas tem "vários motivos", mas que a maior parte são razões de ordem política e financeira.

"O problema maior que nós temos nesta altura é um problema financeiro porque os sindicatos estão a pedir a equiparação à PSP (...) mas isso representa três milhões de euros", disse o responsável da DGRSP, adiantando que ele próprio e o Ministério da Justiça concordam com essa aspiração dos guardas.

Celso Manata lembrou que os sindicatos estão a pedir a promoção de guardas a guardas-principais, porque desde há muitos anos (nalguns casos há 14, 15 e 16 anos) que há guardas que não são promovidos, mas que neste ponto falta a autorização da parte do Ministério da Justiça e do Ministério das Finanças.

Se tais autorizações fossem dadas, o diretor-geral das cadeias garante que assinaria "imediatamente".

Segundo Celso Manata, a única discordância entre sindicato da guarda e a DGRSP reside no novo horário de trabalho (turnos de 8 horas), que veio substituir os horários por turnos de 24 horas. Os sindicatos pretendem que os horários passem a ser de 12 horas, mas a DGRSP já explicou ao sindicato que assim deixa de haver pagamento de horas extraordinárias e possibilidade de troca de horário.

"Acho que quando os associados do sindicato souberam disso não vão querer o horário pedido pelo sindicato", contrapôs.

O que diz o PR?

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou a 05 de dezembro que acompanha a situação nas prisões, em contacto com o Governo, e manifestou-se convicto de que "tudo deve ser feito e será feito" para a enfrentar.

"Eu acompanho essa situação, em contacto com o Governo, com a senhora ministra da Justiça, nomeadamente, e com o senhor primeiro-ministro. E, portanto, estou convicto de que tudo deve ser feito e será feito para enfrentar a situação em causa e garantir aquilo que nós desejamos num Estado de direito", declarou.

O chefe de Estado acrescentou que é preciso assegurar "que também o sistema prisional seja um exemplo de funcionamento à medida desse Estado de direito". 

E a oposição?

PSD e CDS já anunciaram a intenção de chamar a ministra da Justiça ao parlamento para esclarecer os acontecimentos no EPL.

Para o PSD, o "motim é mais um corolário da falência que se vive no sistema prisional no qual há um descontentamento generalizado" dos "agentes, guardas prisionais e reclusos" a que o Governo "tem sido incapaz de dar resposta".

Já o CDS quer que Van Dunem preste "esclarecimentos sobre o que motivou estes protestos e qual foi a atuação dos serviços prisionais para por fim a estes protestos".

Os guardas prisionais são a única classe em protesto com o Ministério da Justiça?

Além dos guardas prisionais, também os juízes iniciaram uma greve parcelar de 21 dias até outubro de 2019. Os funcionários judiciais agendaram igualmente uma paralisação de uma semana no início do próximo ano, após greves parcelares que terminam no final de dezembro. 

A contestação estendeu-se ainda aos trabalhadores do Instituto dos Registos e Notariado, que fizeram uma greve de cinco dias no final de julho.