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Peter Murphy: Motel Lx Factory

Ode aos Bauhaus, aos filmes de terror e às sombras, no concerto de quase duas horas em Alcântara.

Peter Murphy: Motel Lx Factory

A lotação esgotada da sala da Lx Factory mostra o poder intemporal e magnético dos Bauhaus, no qual o espectáculo de Peter Murphy estava baseado - legitimado pela presença do antigo baixista da banda David J. O espaço fumarento de ar fechado lembrava os velhos tempos. As t-shirts e os casacos do público (veterano) podiam ser diferentes mas não a cor predominante: preto, pois claro.
 
O trio de temas de entrada no concerto nesta noite é exactamente o mesmo da digressão de regresso dos Bauhaus em 1998: Double Dare, In the Flat Field e God in The Alcove. Peter Murphy estava de casaco de couro, barba rala e careca assumida. No meio daquela vibração colectiva no antigo armazém industrial de Alcântara, só David J se mantinha fleumático atrás dos seus enigmáticos óculos escuros, no meio daquele furacão de urbanidade. 
 
Dive é a primeira da noite das que só está ao alcance dos fãs da primeira linha, num puro pós-punk de dois minutos seguido por Spy in the Cab, onde Peter Murphy faz uma coisa que tanto gosta, num frente-a-frente com o foco de luz. Em Small Talk Stinks, o seu brinquedo passou a ser o megafone, antes de St Vitus Dance, onde continua a alta tensão elétrica enquanto Peter Murphy se agarra à armação do palco. 
 
Em Nerves, a bateria parecia um bombardeiro ao ataque. Dá-se depois o desaparecimento de Peter Murphy e uma quebra só para mudar de guarda-roupa, antes de Burning from the Inside. Ouve-se depois Silent Hedges, semi-balada acústica, que começa intimista até se agigantar na penumbra elétrica típica dos Bauhaus
 
Quando, mesmo sem candelabros, passa a marcha fúnebre de aventureirismo de Bela Lugosi's Death, isto já não é só o Lx Factory, isto é o Motel Lx Factory. O lenço ao pescoço de Peter Murphy é manejado como se fosse uma capa de vampiro. E no seu rosto pálido de olhar terrífico vêem-se mais sombras que brancuras.
 
No arrebatamento de She's in Parties, Peter Murphy toca uma melódica, a guitarra começa a fazer uns riffs de reggae, enquanto um ganês é chamado ao batuque. Já em Kick in the Eye, a melódica de Murphy é um corpo estranho que não consegue entrar no tema, ao contrário dos coros em uníssono do público no final da canção.
 
A poucas centenas de metros do seu túmulo, lembramo-nos de Camões e da sua poesia lírica quando se ouve Passion of Lovers: "Amor é fogo que arde sem se ver"... mas que se ouve - sobretudo no refrão. Dark Entries é só irónico na parte de Entries, ao servir de final.
 
No primeiro encore, Peter Murphy mostra o seu jeito para versões, ao cantar Severance dos Dead Can Dance com a sua boa projeção de voz, enquanto olha lá para o alto, como se estivesse a falar com uma força poderosa. O segundo encore, além de imprevisto, é dedicado ao glam, quando Telegram Sam dos T-Rex e Ziggy Stardust de David Bowie coroam o final de noite de glória, na voz de Peter Murphy.