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Márcia: "acredito mesmo no amor"

Entrevista à cantora lisboeta sobre o seu novo álbum "Vai e Vem".

Márcia: "acredito mesmo no amor"

Márcia tem desde há semanas mais uma dúzia de canções de peso, compactadas no mimoso álbum "Vai e Vem". Este disco de aura tranquila é o motivo desta entrevista. Neste trabalho, Márcia volta a confortar-se numa coisa que não esconde gostar: os duetos. Isso será o seu lado comunitário? "É o meu lado romântico tipo Gal Gosta - eu preciso te falar  ['Um Dia de Domingo', um dueto com Tim Maia]. Gosto dessa costela namoradeira". "Há pessoas que quando admiram outros cantores ou compositores, fazem versões", mas Márcia prefere convidá-los diretamente, sem ter que fazer versões. 

 

Foi o que fez com Salvador Sobral. As suas vozes balançaram em 'Pega em Mim'. "Chamei-o para a música porque aquela canção é muito carinhosa. Tenho uma irmã mais ou menos da minha idade, um bocadinho mais velha que eu. Aquela música é sobre esse universo da infância de querer brincar, de estarmos uns com os outros, sobretudo naqueles dias em que estamos muito sozinhos e não há nada para fazer que é um tédio. Eu acho que sofri muito desses dias na minha vida. Curei-os a fazer música, a brincar no jardim com a minha irmã, a criar, a fazer pinturas. Venci o tédio com isso. Há quem diga que o tédio é o maior motor para a criatividade".  

 

O tema-título 'Vai e Vem' merece um arranjo de cordas e a presença de António Zambujo, outro artista de canto sussurrado para um dueto de baixo volume. "Nós já nos conhecíamos através de um concerto do Samuel Úria na Casa da Música [no Porto]. Eu acho o Zambujo um charmoso. O facto de ser casada não me impede de admirar o charme do Zambujo. Damo-nos muito bem. Somos muito amigos, o meu marido também é amigo dele".

 

Márcia chamou também para o disco o cantor com quem tem mais cumplicidade, que "faz parte da minha pele" e da "minha casa": o amigo e padrinho do seu filho, Samuel Úria, que faz um dueto em 'Emudeci'. A relação de camaradagem começou quando Márcia, na sua fase de debutante nervosa, enfrentava o temor de ter que subir a palco do Maxime, em Lisboa, há quase dez anos. Samuel Úria percebeu o que se passava e foi ter com a cantora. "Sempre fui muito tímida, sobretudo no início. O Samuel via-me, não via ali uma pessoa arrogante. Uma pessoa quando está com medo fica numa postura muito tensa. Ele sempre viu o contrário: 'ela está é cheia de medo'. Essa transparência que ele vê em mim sempre me deu uma segurança que me fez relativizar a importância do palco. [O Samuel] é um tipo um bocado religioso. Faz sempre uma oração antes de ir para palco. Eu ficava deslumbrada com aquilo. 'Espera aí, o que importa aqui não sou eu, se estou bem vestida, se vou cantar bem. A música é maior do que eu'. Ela dava-me essa visão. A gratidão que tenho por ele é essa".    


 
Antes da música se tornar uma coisa mais séria na sua vida, Márcia pincelava a sua criatividade em pinturas a óleo, uma conjugação de dois mundos que faz lembrar uma das referências da cantora lisboeta, Joni Michell, que na semana passada comemorou 75 anos de vida. "A pintura requer uma grande entrega e investimento. Para fazeres qualquer coisa interessante, não vais pintar hoje uma tela e já está. Tens que estar a insistir e a falhar, a falhar. Até que às tantas há um clique, começa a dar-te um prazer enorme porque apanhas a linha. E começas a produzir, a produzir, a produzir. Já passei por isso várias vezes na vida, ultimamente tenho essa sensação só com a música. Quando estou a escrever, às vezes parece que não faz sentido naquela música. De repente, começo a escrever sem parar. E escrevo dez versos e de repente tenho que escolher três porque a música não pode ter dez. Gosto quando chego a essa fase. É mais fácil com a música do que com a pintura". 

 

Como compositora e letrista, é o nascimento da melodia o fenómeno de criação predileto de Márcia, mais até que a arte de encaixar as letras. "Dá-me muito gozo quando me aparece a melodia, é tão libertador. É quase mágico. A música parece que já existe. É um alívio. De repente, dizes qualquer coisa através da música, isso é muito bom". 


 
Ser compositora de canções será uma arte em constante aperfeiçoamento? Será um constante teste de superação? Márcia desmistifica. "Às vezes, é muito fácil compor. Não há superação a fazer. É só deixar acontecer. Outras vezes, tu queres dizer mais qualquer coisa e tem que caber ali. Sou um bocado exigente com isso. Muitas vezes penso: 'será que tenho mais alguma coisa para dizer'. Quando estou a escrever um disco... 'Mas espera aí, vou fazer um disco igual'. É isso que tenho que aceitar: não sei fazer de outra forma, então vou fazendo como eu sei. Para mim, estou sempre a melhorar. É óbvio que eu acho este disco o meu melhor. Mas muita gente pensa que este é o meu melhor disco". 

 

Uma das pessoas rendidas a "Vai e Vem" é a irmã de Márcia. "A minha irmã não percebe nada de como estas coisas funcionam na música. Ela quando ouviu o disco antes de sair ligou-me: ‘'pá cita-me: se as pessoas estiverem com atenção, tu vais ganhar muitos prémios com este disco. É que é lindíssimo, adoro todas as canções'. Isso é tão ingénuo porque já não há prémios, já não há Top +. Para mim, foi um grande elogio. A minha irmã era muito difícil de conquistar, ela boicotou-me anos e anos a minha tentativa de aprender a tocar guitarra - eu aprendi sozinha. 'Estás a fazer imenso barulho'. Era horrível para ela. É por isso que me fechava no quarto e tocava baixinho. As pessoas perguntam-me 'porque é que cantas tão baixinho?'. ‘É a minha matriz, aprendi assim’. Não vou culpar a minha irmã, coitadinha. Mas conquistar o ouvido da minha irmã já é um grande feito”.   

 

Uma canção é um afecto de que Márcia é uma meiga transmissora. Aquela conta de 1+1=2 é fácil na matemática, mas difícil às vezes de se fazer no amor. Mas Márcia insiste como pode ser fácil, canção a canção, sem exceção. "Vi muitos filmes da Disney. Para mim, a princesa e o príncipe ficam juntos. Se a princesa quiser casar com a princesa e o príncipe quiser casar com o príncipe, isso é lá com eles. Live and let live. Acredito mesmo no amor. Não escolho fazer canções sobre isso, faço-as para desabafar e felizmente aparece-me de vez em quando uma música a falar da coisa boa que nós temos e desse amor que ainda não desistimos como esta do Zambujo, 'Vai e Vem'".