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Kiss ainda conseguem fazer rock n' roll all nite

O Estádio Municipal de Oeiras recebeu esta terça-feira à noite duas das maiores lendas do rock mundial: Kiss e Megadeth.

Kiss ainda conseguem fazer rock n' roll all nite
LUSA

Os norte-americanos Kiss atuaram na noite de ontem, 10 de julho, no Estádio Municipal de Oeiras, 35 anos depois do primeiro e único concerto que deram em Portugal, com os também norte-americanos metaleiros Megadeth a assegurarem a primeira parte do espetáculo.

Nota inicial para essa banda não menos lendária que encheu esta noite de gente: os Megadeth que atuaram antes dos Kiss. Com um grande número de fãs em Portugal, a banda de Dave Mustaine saiu mais prejudicada pelas intermináveis filas que impediam os fãs de entrar no estádio. Há relatos de filas de quase uma hora de espera a chegar ao Hospital da Luz de Oeiras. Ouviu-se, para satisfação e aplausos dos fãs que conseguiram chegar a tempo, 'Symphony of Destruction', de 1992, um dos "hinos" dos Megadeth, e 'Holy Wars', já quando "ameaçavam" sair de palco.

Os Kiss, uma das maiores bandas de hard-rock todos os tempos, arrastaram consigo uma enorme legião de fãs que desfrutou de mais de hora e meia de prazer absoluto ao som de grandes êxitos que vêm desde os anos 70 e permanecem, no estilo deles, muito atuais e extremamente divertidos.

A banda aposta numa espécie de auto-paródia e, com isso, consegue maximizar e fazer render há muito tempo um estilo único em palco. Os looks são o que a maioria também quer ver e reproduzir já que muito poucos foram os fãs que vieram sem uma t-shirt da banda ou sem as características pinturas na cara que os rockeiros popularizaram.

A festa começou com 'Deuce', do álbum de estreia, homónimo, de 1974, a que se seguiram 'Shout It Out Loud', de 1976, para o álbum "Destroyer", e 'War Machine', de "Creatures of The Night", em 1982 - este com os ecrãs a mostrarem bonecos em marcha à imagem e semelhança dos membros do grupo. Começamos com a máquina do tempo ligada, portanto. A produção dos Kiss em palco é absolutamente assombrosa: plataformas que se elevam, muitos cabos, luzes com fartura e pirotecnia quase a roçar o exagero valeram o dinheiro gasto com os bilhetes. Se quem foi queria tudo, os Kiss deram tudo a mostrar que o rock está mais que vivo e com muito para dar mesmo ao fim de 45 anos de carreira.

'Firehouse', também do primeiro álbum, dá a Gene Simmons a primeira oportunidade de brilhar quando cospe fogo, no final da música, para uma espada já em chamas. A mega-produção de maquilhagem começa a não resistir até porque, por esta altura, já mostrou a língua uma centena de vezes. Mick Jagger... sorry... a dele é mesmo maior!

Em 'Shock Me' é Tommy Thayer que canta e toca guitarra onde não falta um solo que, claro, não é um solo qualquer: é o de uma guitarra que lança foguetes (sim, é mesmo isso, não estou a recorrer a nenhuma hipérbole).

O líder dos Kiss, Paul Stanley, é o guitarrista, vocalista e o frontman mais divertido de todos os tempos. Falou com o público praticamente entre cada uma das canções interpretadas. A mensagem, que já causava gargalhada, era sempre a mesma: "Estivemos muitos anos à espera para vir a Portugal e agora vamos dar-vos uma festa. Estão a divertir-se? Queremos que cantem connosco mais esta!". Pelo meio ainda tivemos direito a um daqueles momentos "ora gritas tu, ora grito eu", sempre com Stanley a fazer uma voz quase de boneco que diverte e agarra totalmente as atenções naquele imenso palco onde algo estava sempre a explodir e a arder. A testa de quem estava no golden circle também sentia o calor dos lança-chamas, o que só ajudava a envolver ainda mais no espetáculo.

'I Love It Loud' e 'Flaming Youth' combinaram na perfeição; e lembrar que este foi um dos singles em vinil de 45 rotações que mais andou lá por casa. 'Lick It Up', do álbum com o mesmo nome, de 1983, volta a provar que os Kiss estão incansáveis e em excelente forma física e vocal, apesar de já não terem os registos tão frescos que eram nos anos 80 (óbvio!), além de serem os representantes máximos do espírito do "quero lá saber" de todas as vezes que foram alvo de críticas ou ridicularizados. Na verdade, este concerto pode muito bem ser visto como um poderoso banho de auto-estima. Stanley rebola-se, cheio de glamour, em cima de uns sapatos de plataforma alta, todo ele brilhantes, todo elegante do alto dos seus 66 anos, e todo ele um boneco divertido. É importante lembrar que este rapaz foi eleito pela revista "Hit Parader" o 18.º melhor vocalista da história da música e ainda compôs temas tão icónicos como 'I Was Made For Lovin' You', curiosamente tocado em Oeiras de uma forma estranha e quase impercetível (terá sido de propósito?!), ao contrário de todo o concerto com um som de fazer inveja a muito festival português que reclama ser o melhor.

Voltemos um tema atrás para falar de uma das cenas mais espetaculares da noite: 'God of Thunder' que, claro, só podia ser o momento de Gene Simmons, qual deus das trevas, que surge a tocar o seu já bem conhecido baixo em forma de machado no momento em que melhor se vêm, também, as suas botas (em formato de caveira de animal?). O músico é içado a dada altura e surpreende a cuspir (outra vez) mas agora... sangue! A imagem não deixa de causar uma certa repulsa mas diverte pela forma tão peculiar como os próprios assumem o seu espetáculo. Para quê, levarmo-nos tão a sério, verdade?

Conjuntos de luzes multicoloridas, a formarem o nome Kiss, iluminam o palco. De repente parece o estilo rock n' roll de Las Vegas mas em bom. Em muito bom. O concerto é uma apoteose constante, não há pausas nem momentos mortos.

Depois de uma passagem por Espanha, onde tocaram em Madrid e Barcelona, os norte-americanos viajaram até Oeiras e Stanley resolveu fazer uma piada, como se nos quisesse fazer inveja pela passagem pelo país vizinho. Mais, diz que se queremos vê-lo de perto temos que pedir muito. E nós pedimos. E este Stanley "maluco nas horas" passa por cima das nossas cabeças num slide antes de subir a um palco secundário, nas nossas costas, para interpretar 'Love Gun'. Tudo se encaminhra para o encore com 'Black Diamond', com o baterista Eric Mensinger a mostrar a língua com o que parece ser um rebuçado preto (o objetivo seria assemelhar-se a um diamante negro).

No fundo, as mesmas razões que levam muita gente a gozar com os Kiss são as mesmas que deixariam as más-línguas boquiabertas se tivessem passado pela experiência de ontem em Oeiras:  nada falhou, nem uma nota ou momento fora do sítio. As coreografias estavam alinhadas. Os fãs ficaram entretidos, divertidos, com tanta pirotecnia como se fosse passagem de ano, com confetti, com fitas, com plataformas que elevam os músicos e muito brilho. Os Kiss gostam do que fazem e mantêm uma receita antiga que funciona, ainda que lhe tenham feito os devidos ajustes a que a indústria atual obriga. O único imprevisto, mas que também já é histórico, foi a lona gigante com o logotipo dos Kiss que teimou em não se segurar na abertura do espetáculo. E isso atrasou-os? Não; é apenas um pormenor numa festa muito maior.

Já em encore ouve-se 'Cold Gin'. A despedida é feita com 'Rock And Roll All Nite'. Inesquecível. Assombrosa. "Fora da caixa". Tão fora que, já depois das luzes acesas e de um estádio em debandada, a música de fundo que se ouve é 'God Gave Rock And Roll To You'. Quantos artistas passam músicas suas mesmo quando o concerto já terminou? Talvez só eles mesmo. Ninguém quer lembrar que "ficou esta de fora". Também ficaram 'Heaven's on Fire' e 'Crazy Crazy Nights' mas nós desculpamos. Afinal, são mais de 20 álbuns de estúdio. Dava para ficarem cá uma semana a tocar para nós?