Ainda não tem a nossa APP? Pode fazer o download aqui.

30 anos sem Kurt Cobain

Recordamos o homem dos Nirvana através das palavras de quem o conheceu ou foi inspirado pela música que criou.

30 anos sem Kurt Cobain
DR - Facebook Nirvana

A 5 de abril de 1994, o mundo perdeu Kurt Cobain, o homem que, movido pela fúria de sentir, revolucionou não só os meandros do rock mas também - e não menos importante - os corredores dos liceus. O mundo soube da sua trágica perda três dias depois, a 8 de abril, e talvez ainda não tenha recuperado. 

A chamada Geração X teve (e tem) um herói e as gerações que vieram a seguir seguem-lhe o rasto, ainda que a uma maior distância. Cobain morreu quando tinha apenas 27 anos mas deixou-nos muito. Deixou-nos canções viscerais, que latejavam com a turbulência da alma, e sobretudo deixou-nos uma perceção do mundo mais igualitária e inclusiva.   



Para celebrar a existência de Kurt Cobain recolhemos vários testemunhos de artistas que o conheceram ou que foram influenciados por este génio, de jeans e casaco de malha, que sentiu demasiado num mundo que muitas vezes fica aquém da complexidade vital de sentir. 

Michael Stipe (dos R.E.M.): "a primeira vez que olhei para os olhos dele, pensei: 'agora percebo. Ele é isso tudo. É uma pessoa muito especial'"

Michael Stipe, o vocalista dos R.E.M., era um grande amigo de Kurt Cobain e é o padrinho de Frances Bean Cobain (a filha que o músico teve com Courtney Love). Foi também Stipe quem fez o discurso de indigitação da banda de Seattle no honroso Rock and Roll Hall of Fame em 2014. 

"Uso a palavra 'artista' em vez de 'músico' porque os Nirvana eram artistas em toda a amplitude que a palavra pode ter. A maior vocação de um artista, bem como o seu maior privilégio, é conseguir captar um momento. É encontrar o zeitgeist [espírito da época], expor as batalhas que enfrenta, as aspirações ou os desejos que tem. É abraçar e ajudar a definir um determinado período de tempo. Essa é a minha definição de artista", disse o músico norte-americano na cerimónia.  


"Os Nirvana capturaram um raio numa garrafa", continuou Stipe. "Capturaram algo muito poderoso, embora evasivo, e conseguiram segurá-lo e mostrá-lo ao mundo", disse ainda. "Os Nirvana definiram um momento e um movimento para os desajustados: para os homossexuais, para as raparigas mais gordas, para as pessoas com o espírito partido, para os marrões tímidos, para os miúdos góticos do Tennessee e do Kentucky, para os rockeiros e para os desajeitados, para os que estavam fartos, para os demasiado inteligentes e para os que eram vítimas de bullying. Éramos uma comunidade, uma geração - no caso dos Nirvana, várias gerações - numa câmara de eco que uivava coletivamente, e o Allen Ginsberg ficaria muito orgulhoso", acrescentou. 

Numa nota mais pessoal dedicada ao vocalista dos Nirvana, Michael Stipe, que foi vizinho de Kurt Cobain e Courtney Love, lembrou o momento em que o conheceu: "a primeira vez que olhei para os olhos dele, pensei: 'agora percebo. Ele é isso tudo. É uma pessoa muito especial'"

Dave Grohl (Nirvana e Foo Fighters): "posso dizer que era o maior compositor da nossa geração"

A 20 fevereiro de 2021, dia em que Kurt Cobain faria 54 anos, Dave Grohl, o atual frontman dos Foo Fighters e baterista dos Nirvana, lembrou o antigo colega de banda num episódio da série "Apple Music Hits". "Um dos grandes desgostos da minha vida é ele não estar cá, a escrever canções incríveis. Foi mesmo abençoado com um dom", confidenciou o norte-americano. "Acho que posso dizer que era o maior compositor da nossa geração.


"Tenho muito orgulho de ter sido baterista dos Nirvana e de ter tocado aquelas canções todas as noites. Foi uma experiência incrivelmente desafiante. Na verdade, é um desgosto saber que hoje os Nirvana não estão a fazer música. Quer a banda se chamasse Nirvana ou outra coisa qualquer".

Ainda em 2021, numa entrevista à publicação "People", Grohl confidenciou: "estou sempre a pensar nele. Sonhei com ele há duas noites. Só conheci o Kurt durante três anos e meio, mas, durante esse período, sinto que vivemos várias vidas. As canções do Kurt tocaram o mundo". Na mesma entrevista, o vocalista dos Foo Fighters lembrou o sucesso do disco "Nevermind" (1991) e a forma como o álbum "virou o jogo" para a banda de Seattle. "Estávamos ainda na carrinha a ver tudo a acontecer à nossa frente.


"Os concertos estavam a ficar maiores, tínhamos cada vez mais público. Podíamos ver que estava qualquer coisa a acontecer mas não estávamos à espera que fosse algo tão grande. Acho que nenhum de nós podia prever aquilo", disse Grohl. 


Kim Gordon (Sonic Youth): "ainda tenho imagens vívidas dele a rir, a sorrir e na galhofa enquanto estava no backstage" 

Kim Gordon, dos Sonic Youth, falou recentemente com a "Rolling Stone" sobre a relação que mantinha com Kurt. "Ainda tenho imagens vívidas dele a rir, a sorrir e na galhofa no backstage. Lembro-me dele a dar concertos incríveis, a atirar-se para cima da bateria. A fazer as coisas de uma forma que nunca tinha visto ninguém a fazer antes", disse a norte-americana à famosa revista de música. 

Iggy Pop: "quando o vi a encurvar-se, enquanto tocava guitarra, pensei que havia algo nele que estava a comunicar comigo" 

Em 2006, o histórico Iggy Pop falou sobre Kurt Cobain numa entrevista para o programa "Actitud Punk Weekend", da MTV. O lendário "padrinho do punk" recordou quando viu os Nirvana em 1990, em Nova Iorque, antes do sucesso do álbum "Nevermind". "Eles [os Nirvana] tinham uma certa vibe, e o rapaz tinha algo na voz, era como um diabinho. Quando o vi a encurvar-se, enquanto tocava guitarra, pensei que havia algo nele que estava a comunicar comigo",  disse.

"É terrível que não tenha tido a oportunidade de viver a vida e de aproveitar mais o tempo aqui. Acredito que morreu por causa das pessoas que estavam à sua volta - e não estou a falar só da esposa [Courtney Love] mas de toda a gente que o rodeava. Ele fez muito dinheiro e para muita gente. Tornou-se valioso e muito rapidamente. Teve de morrer. É assim que [a indústria musical] funciona. Não é nada fixe", rematou o músico veterano. 


Chris Cornell (Soundgarden e Audioslave): "foi inspirador desde a primeira demo que ouvi"

Chris Cornell, falecido em 2017, não era muito próximo de Cobain mas elevava o talento do músico quando era questionado nas entrevistas. À "Rolling Stone", o homem dos Soundgarden disse o seguinte: "a minha perceção do mundo da música encolheu artisticamente porque, de repente, perdemos um rapaz brilhante. Nem estou a falar sobre o que significava culturalmente, estou a falar da criatividade que tinha. Foi inspirador desde a primeira demo que ouvi. Ampliou a minha imagem mental do que o mundo era criativamente e, de um momento para o outro, parte desse mundo desabou". 


Ainda na entrevista de 2014 à "Rolling Stone", Cornell sublinhou a forma como os Nirvana e Kurt Cobain mudaram a perceção da cultura rock nos anos noventa, quebrando a barreira (in)visível entre as bandas e o fãs, um muro que era muito fomentado pelo status de rock star inalcançável que contagiou uma série de grupos que antecederam à cena grunge. "A cena de Seattle beneficiou da cultura da MTV, e isso aconteceu pela forma como os Nirvana se vestiam e apresentavam. Teve apoio unânime do mundo inteiro.


A música rock tinha-se tornado meio hedonista - homens de 35 anos iam de helicóptero para o palco, com as namoradas supermodelos. Faziam tudo para estarem afastados do público. Os Nirvana, mais do que qualquer outra banda, rockavam muito mais, tinham uma originalidade significativa e, ao mesmo tempo, pareciam os nossos colegas do liceu. Acho que esse era o segredo deles. Promoviam o espírito de inclusão que era suposto existir. É suposto o rock ter esse espírito".


Anthony Kiedis (Red Hot Chili Peppers): "ficava nervoso quando estava com ele porque admirava-o muito" 

Anthony Kiedis escreveu sobre Kurt Cobain na autobiografia, intitulada "Scar Tissue", que editou em 2004. O vocalista dos Red Hot Chili Peppers lembra o momento em que recebeu a notícia da morte do músico, descrevendo a emoção que sentiu e enaltecendo o lado "adorável" de Kurt.


"Foi um golpe emocional, e todos nós sentimos. Não sei porque é que toda a gente na Terra se sentia tão próxima dele. Era amado, cativante e estranhamente inofensivo. Mesmo com todos os gritos internos e com toda a sua escuridão, era simplesmente adorável", contou.


Numa entrevista dada em 2022 ao radialista norte-americano Howard Stern, Kiedis contou que ficava nervoso quando conversava com o homem dos Nirvana. "Ficava nervoso quando estava com ele porque admirava-o muito. Ele não era o tipo de pessoa de querer ser o frontman. Era tímido, à sua maneira. Era um rapaz bonito e deixou-nos música e uma energia incríveis", disse o músico. 


Em 2014, 20 anos após a morte do músico, a "Associated Press" fez um apanhado de testemunhos de diversos artistas com o mesmo propósito: celebrar Kurt Cobain e o rico e profundo legado que deixou não só à sua geração como às que vieram e virão depois. Destacamos os de Billie Joel Armstrong (dos Green Day), de Neil Young, de Beck e de Win Butler (dos Arcade Fire).  

Billie Joe Armstrong (Green Day): "ele ia ao fundo de quem era, ia ao fundo do que sentia e punha isso tudo cá fora"

"Aquele homem escrevia canções lindas", disse o vocalista dos Green Day. "Quando alguém vai, de forma tão honesta, ao fundo de quem é, do que sente e, de alguma forma, consegue pôr isso cá fora, é incrível. Lembro-me que quando saiu o 'Nevermind' pensei: 'finalmente temos os nossos Beatles'. 'Esta era já tem os seus Beatles'. E a verdade é que não apareceu mais ninguém desde essa altura".  


Neil Young: "acho que o Kurt sentia muito"

O histórico Young também falou sobre Cobain. O dono de 'Heart of Gold' relembrou sobretudo as palavras que gostaria de ter partilhado com o músico de Seattle. "Acho que o Kurt sentia muito. Acho triste o facto de não ter tido alguém com quem conversar que lhe tivesse dito: 'sei o que estás a sentir, mas não é assim tão mau. Não é mesmo assim tão mau. Vai correr tudo bem. Ainda tens muitas coisas para fazer. Porque é que não fazes uma pausa? Não te preocupes com as pessoas que querem que faças isto tudo. Para de fazer tudo. Manda-os para longe'. Seria isto que lhe teria dito, se tivesse tido a oportunidade. Quase que tive essa oportunidade, mas acabou por não acontecer". 


Beck: "já tinha visto muitos concertos punk e muitos concertos mais agressivos, com uma atitude de confronto. Mas com eles havia algo de diferente"

O norte-americano Beck, cujas palavras também foram recolhidas pela "Associated Press", relatou a experiência de uma das primeiras vezes que viu os Nirvana a atuar três antes da edição de "Nevermind". "Já tinha visto muitos concertos punk e muitas bandas, cujos concertos eram agressivos e tinham uma atitude de confronto. Mas com eles havia algo de diferente. Lembro-me que ele tinha um sorriso na cara, tinha algo de brincalhão mas com um toque ameaçador. E lembro-me que, assim que começaram a tocar, o público passou-se de uma maneira que tinha visto antes. Tiveram o público na mão desde a primeira nota. Mesmo que não tivessem ficado famosos, lembrar-me-ia desse concerto. Fiquei muito impressionado com aquilo". 


Win Butler (Arcade Fire): "de um momento para o outro, a dinâmica social que existia no meu liceu mudou"

"De um momento para o outro, a dinâmica social que existia no meu liceu mudou. Os miúdos mais desajustados, que vinham de lares desfeitos, que fumavam cigarros atrás dos pavilhões e que não tinham dinheiro para comprar as roupas da moda ficaram ao mesmo nível dos outros", disse o fundador dos Arcade Fire sobre o impacto que os Nirvana tiveram quando era adolescente.    


Billy Corgan (Smashing Pumpkins): "o Kurt tinha tanto talento que era assustador"

O homem dos Smashing Pumpkins falou recentemente sobre o homem dos Nirvana. Em 2023, numa entrevista ao famoso radialista Zane Lowe, da Apple Music, Corgan relembrou a fricção competitiva que tinha com o Cobain. "Quando o Kurt morreu, chorei porque eu perdi o meu maior competidor. Eu queria concorrer com os melhores. Queria ver os Pumpkins como o topo da nossa geração. Se isso implicasse eu ter que escrever 800 canções, assim faria. Não posso ter modéstias com isso. Mas tenho de reconhecer que o Kurt Cobain era o mais talentoso da nossa geração. O Kurt tinha tanto talento que era assustador. Estava no nível de talento do John Lennon e isso fazia-me pensar: 'como é que se pode ter tanto talento'. Ou no nível do Prince", disse o norte-americano.