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"Ennio, O Maestro" nas salas de cinema nesta quinta-feira

Entrevista ao filho de Ennio Morricone, Marco, sobre o documentário biográfico do seu pai.

"Ennio, O Maestro" nas salas de cinema nesta quinta-feira
DR - documentário Ennio, sobre Ennio Morricone (cortesia Festa do Cinema Italiano)

A partir desta quinta-feira, está em exibição nas nossas salas de cinema o documentário realizado por Giuseppe Tornatore, “Ennio, O Maestro”.

São duas horas e quarenta minutos não só sobre a vida do compositor de bandas sonoras, Ennio Morricone, mas também sobre um pedaço da história da sétima arte, que o músico italiano pôde musicar e engrandecer. Os filmes de western spaguetti como "Aconteceu no Oeste", épicos sobre gangsters como Era Uma Vez na América, filmes de terror italiano giallo de Dario Argento ou a epopeia amazónica de "A Missão" têm música que se entranhou no nosso senso comum, com a origem na mesma cabeça: a de Ennio Morricone (1928-2020).

O filme conta com depoimentos de gente que trabalhou com o músico italiano , como os casos da cantora portuguesa Dulce Pontes, e de cineastas para quem fez as músicas como Bernardo Bertolucci ou Quentin Tarantino. Também admiradores seus como os rockers Bruce Springsteen, Mike Patton, dos Faith No More, ou James Hetfield dos Metallica, falam sobre a música de Ennio Morricone.

O filho do compositor, Marco Morricone, veio a Lisboa falar deste documentário e da forma como foi feito. Fomos ouvi-lo.

Havia um sentimento de urgência em fazer-se um documentário sobre o seu pai, com ele ainda vivo?
Não sentimos que tenha havido essa urgência. De facto, o processo do documentário foi muito demorado. As filmagens do documentário começaram em 2014. Quando tinham tempo, iam filmar. A ideia do filme veio dos produtores, que propuseram o filme ao meu pai, que, depois, chamou o Giuseppe Tornatore para realizar o documentário. Entre 2014 e 2020, sempre que os dois tinham tempo, encontravam-se e o meu pai contava mais um pouco da sua vida. Durante cinco anos, as câmaras do Tornatore estiveram em casa do meu pai.

 

A arte do seu pai era descobrir o que ainda não se via no filme? 
Não propriamente. A grande capacidade do meu pai foi a de ver os filmes num ponto de vista pessoal dele e conseguir compor músicas partindo desse ponto de vista inédito, como na trilogia dos Dólares [de Sérgio Leone]. Eles incluiu os instrumentos de sopro, que não iriam casar-se com aquelas cenas. Essa foi a grande riqueza que ele conseguiu levar aos filmes: conseguir ver o filme de uma forma completamente diferente.

O seu pai adormecia a ver os filmes que os realizadores lhe estavam a mostrar, tal como o documentário mostra. Seriam esses breves sonos os sonhos de músicas novas a ecoar na cabeça dele? 
Nunca falámos sobre isso, mas é provável que isso acontecesse. É uma forma de ele se abstrair e, talvez naquele momento, tomasse forma uma nova composição musical. 

Podemos ver a música do seu pai como agigantador de emoções, um perfurador de alma que humedece os nossos olhos de lágrimas?
Pode ser verdade. Mas se fosse verdade de forma absoluta, todo o mundo iria ter as mesmas reações com a audição desta músicas. Também existem detratores da sua música, embora poucos. O seu conhecimento profundo da música, dos instrumentos, do contraponto, fazia com que ele conhecesse em profundidade o limite das possibilidades de cada instrumento. Essa era uma das suas grandes capacidades, fruto dos enormes estudos de conhecimento musical que o meu pai teve. 

Que música de filme do seu pai o mais impressiona?
Há dois temas que me impressionaram mais. "The Mission", pela forma como foi composto. O tema nasce a partir de uma recusa ao realizador Roland Joffé. Ele entendeu que iria estragar o filme, que já estava praticamente concluído. Mas depois surgiu-lhe o tema com o oboé. A banda sonora compõe-se de três blocos: o tema do oboé, o tema religioso e o tema étnico, que tem a ver com a condição do povo indígena massacrado. Estes três temas foram compostos de forma independente. Só depois percebeu que os temas eram perfeitamente conectáveis e que se podiam sobrepor. Aliás, ele até estabeleceu depois um paralelismo com o conceito da trindade: três elementos unidos numa só entidade. A forma possessa como surgiu esta composição é muito impressionante. Este comentário do Ennio sobre a trindade não surge no documentário. Outro tema mais impressionante é o do "Era Uma Vez na América", porque fala de valores de ética que são muito do meu pai: a amizade, a memória. Isto são tudo questões muito próximas ao meu pai. Essas questões espelham-se muito na personagem principal, o Noodles, na qual se revê. A música era para ter sido utilizada para outro filme que nunca se concretizou, mas que o Sergio Leone veio a descobrir. Assim que o descobriu, nunca mais o largou.  

 

 

Através do documentário, descobrimos a paixão do seu pai pelo xadrez. Costumava jogar xadrez com ele?
Não de todo. Jogávamos ténis. Assim que me tornei melhor, o meu pai não quis mais jogar. 

Dobragem da voz de Marco Morricone por Paulo Alexandre Santos.