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Viagem à Suiça: dos relógios ao esqui

A seleção helvética tenta mais uma escalada alpinista até à segunda fase. Shakiri, Xhaka e Akanji estão prontos.

Viagem à Suiça: dos relógios ao esqui
Associated Press/DR

O país que é mais conhecido pelos relógios e pelos chocolates do que pelo seu futebol tem um concorrente de outro campeonato, o Brasil, e um rival direto que promete equílibrio, a Sérvia, tal e qual como há quatro anos. Em 2018, a Suíça passou. Mesmo que não haja propriamente um atleta da dimensão galática do tenista Roger Federer no onze helvético, a equipa tem uma tradição competitiva ao mais alto nível. 

País multilingue de imigrantes
A Suíça pode não ser uma extravagância de talentos, nem uma seleção candidata ao título, mas é para ser levada a sério. Superiorizou-se à Itália na qualificação para o Mundial, e tem tido o hábito de se apurar à fase seguinte das grandes competições de nações, como a presença nos quartos-de-final do Europeu do anos passado o demonstra.
Nesta seleção, nota-se a importância formativa do FC Basel nalguns dos internacionais A que vão ao Catar, como os casos do guarda-redes titularíssimo Yann Sommer (há mais de oito anos a defender a baliza do Borussia Mönchengladbach), do valioso médio Xhaka (do Arsenal), do avançado à solta Okafor (ao serviço do Red Bull Salzburg) e do ponta-de-lança a ter em conta, Embolo, hoje no Monaco. Este último é de origem camaronense. Sobressai, aliás, a influência de jogadores de dupla nacionalidade ao serviço da Suíça. É de origem nigeriana o defesa central do Manchester City, Akanji. É de ascendência hispânica, o lateral esquerdo muito afirmativo na seleção Ricardo Rodriguez. Tem origem checa o médio omnipresente Tomás Soucek, vital no West Ham, na Premier League. Tem proveniência kosovar uma das estrelas da equipa, Shaqiri (a jogar há meses nos Estados Unidos, pelo Chicago Fire). E vindo da Bósnia-Herzegovina, temos o nosso conhecido ponta-de-lança Seferovic que deu muitos golos ao Benfica e que chegou a ser o melhor marcador da liga portuguesa em 2018-19. 

 

O renascimento nos anos 90
Tal como acontece com muitos dos países da Europa central, a Suíça também teve uma emancipação precoce no futebol de alta competição. Quando ainda não havia Mundial de Futebol e os Jogos Olímpícos eram a competição onde jogavam os melhores, a Suíça conquista uma medalha de prata nas Olimpíadas de 1924. Na década seguinte, nos Mundiais de 1934 e de 1938, a seleção helvética volta a mostrar resultados com presenças nos quartos-de-final em ambas as competições, a eliminatória mais longínqua que o país já atingiu e onde voltaria quando foi o anfitrião do Mundial de 1954. Depois disso, a formação suíça foi sendo abafada por nações europeias emergentes. O país multilingue foi reduzido a presenças inconsequentes nos grandes eventos ou sendo mesmo afastado consecutivamente nas fases de qualificação.
 
Nos anos 90, a geração de Chapuisat, Türkyilmaz e Sutter ajuda a Suiça a retomar o estatuto de equipa ameaçadora. Mesmo sem Türkyilmaz, lesionado, a equipa helvética deixa uma ótima impressão no Mundial de 1994, quando passa à segunda fase. Um dos jogos mais mais expressivos da qualidade desta seleção é um vitória expressiva contra a fortíssima Roménia de Hagi e Popescu, por 4-1. Em 2006, a equipa nacional dos Alpes volta a ter elementos interessantes - Senderos na defesa, Vogel no meio-campo e o quase eterno Frei no ataque - e uma performance coletiva que os leva de novo aos oitavos-de-final, feito repetido pela seleção de 2014, já com (o defesa da Juventus) Lichtsteiner e o extremo Shaqiri ao serviço do onze vermelho-e-branco.
 
Sem grande história internacional, continuam os clubes helvéticos. O FC Basel, "pai" do FC Barcelona que herdou o equipamento azul-grená, tem tido um domínio esmagador na super-liga suíça, tendo sido campeão em seis dos últimos sete anos. Mas nunca houve qualquer competição europeia ganha pelos clubes suíços. E o FC Basel parece incapaz que quebrar o enguiço.


Deuses do rock industrial
Tal como os irmãos germânicos da Alemanha e Áustria, também os suíços sabem usar maquinaria na música. Um dos melhores exemplos históricos é o dos Young Gods, verdadeiros deuses do rock industrial na mesma dimensão celeste dos norte-americanos Nine Inch Nails, com uma boa dose de álbuns que descortinaram novos horizontes como "The Young Gods" (de 1987), "L' eau Rouge" (de 1989), "T.V. Sky" (de 1992) ou "Only Heaven" (de 1995). Raramente o suor e intensidade humanas combinaram tão bem no rock com as potencialidades tecnológicas que escancaram formas instrumentais diferentes. O trio liderado pelo enérgico vocalista Franz Treichler percebeu bem isso e por isso gerou enorme culto, incluindo em Portugal.
 
Os Yellow também deixaram algumas peugadas tecnológicas ao longo dos anos 80, mas na área do synthpop. Mas mesmo nos nichos metaleiros dos anos 80, as bandas suíças usaram programações, samples e beats, como os Samael, ligados ao black-metal. Dentro do extreme-metal, a Suíça teve igualmente alguns embaixadores notórios como os Hellhammer que em 1984 se reinventaram como Celtic Frost.


 
O país do fondue e dos chocolates
Anualmente, a Suíça exporta mais 100 mil toneladas de chocolate. As pequeninas tabletes de chocolate de leite são autênticos ex-líbris do país, incluindo nos antigos voos da Swissair onde eram servidos. A Toblerone (conhecida pelos seus triângulos de chocolate crocantes), a Lindt ou a Nestlé (que nos dá também a Nespresso e numerosas caixas de cereais) são algumas marcas suíças mais famosas que preenchem com as suas tabletes prateleiras e prateleiras de supermercados em todo o mundo.


O queijo suíço tem também renome internacional, incluindo aqueles com buraquinhos, como o Emmental ou o Tilsiter, ambos de Emme Valley, ao pé de Berna. Não é o caso de outros 400 tipos de queijo suíço como o Gruyère ou o Sbrinz. O queijo é, aliás, a base dos famosos fondues, um recipiente redondo, aquecido por uma lamparina, com uma mistura de queijos fundida com vinho branco, onde molhamos com um longo garfo de apenas dois dentes os cubos de pão.
 
As salsichas suíças também têm boa fama, condimentadas muitas vezes com especiarias no processo de enrolamento. Marcam presença nos pequenos-almoços suíços, tal como o rösti, o grande prato nacional, uma autêntica batatata em forma de panqueca, frita na frigideira com ovo mexido, e que pode levar tomate, cogumelos e tiras de bacon.
 
De resto, a gastronomia suíça divide-se consoante a predominância linguística: a culinária francesa na região francófona, os pratos italianos junto ao vizinho transalpino e os gostos degustativos da Alemanha e Áustria na zona germânica. Na zona francófona, são conhecidas as raclettes, que não é mais que um queijo suíço derretido e raspado para um prato com batatas em pele, apetitoso logo ao olhar. Na região de Ticino, come-se polenta (o chamado prato dos pobres, com papa de milho e carne de porco) e vários pratos de pasta e risotto.
 
Os vinhos suíços são outro regalo para qualquer mesa, sobretudo os brancos de Lavaux, os tintos de Valais ou os rosés de Oeil-de-perdrix - só para citar alguns.

Algumas das atrações gastronómicas do país fazem parte do restaurante suíço Bistro Edelweiss, um espaço bem simpático na zona do Principe Real, em Lisboa.


 
Lá de cima dos Alpes
A menina orfã Heidi, que animou os livros infantis e desenhos animados nas nossas infâncias, teve como cenário os picos esbranquiçados das montanhas dos Alpes, a grande atração da Suíça, incluindo para os praticantes de desportos de inverno, como o famigerado esqui alpino. É nas olímpiadas de inverno que a Suíça tem alcançado muita da sua glória desportiva. O tetracampeão olímpico no salto em esqui Simon Ammann é porventura o maior dos suíços, o primeiro de sempre a conseguir a dobradinha de ouros numas olimpíadas. A Suíça é onde o bobsleigh foi inventado. Outros desportos de berço suíço não tiveram a mesma sorte, como as lutas tradicionais do schwingen, espécie de wrestling mais folk, nas profundezas dos cantões do país. É da Suíça que vem o maior tenista de sempre, Roger Federer, com o registo recorde de 20 Grands Slams, tendo ganho oito vezes em individuais o Torneio de Wimbledon (outro recorde). Como se não bastasse, deu ainda à Suíça uma Taça Davis (em 2014) e a medalha de ouro olímpica de equipas em 2008. Ainda hoje continua a mostrar a sua classe nos courts, com os devidos troféus e os discursos de vencedor no final dos torneios. Sim, ele é o maior de sempre.
 
Se Heidi é a personagem suíça mais reconhecida no mundo, talvez o maior escritor suíço seja um filósofo que tenhamos dado na escola, o iluminista Jean-Jacques Rousseau, o homem crente no "homem naturalmente bom". Mas é nas artes plásticas que a cultura suíça se tem destacado mais, nomeadamente na pintura, através do expressionismo e cubismo de Paul Klee (1879-1940) e o mais paisagistico Jacques-Laurent Agasse (1767-1849). É da Suíça que vem uma das maiores feiras de artes, a bem mundializada Art Basel. A arquitectura suíça tornou-se na arquitetura do mundo. Domenico Trezzini fez de São Petersburgo, no século XVIII, a cidade russa mais bonita, com alguns dos seus monumentos a terem a sua autoria. Le Corbusier fez escola na arquitetura no século XX nos vários cantos do mundo, do continente americano ao europeu e ao asiático.
 
A Suíça pôs também o mundo a horas, com a sua enorme indústria relojoeira. Relógios de luxo como a Rolex ou a Omega, ou os mais acessíveis Swatch e Tissot, embelezaram pulsos e contribuíram para a pontualidade. Não se sabe se o mundo deve assim tanto à rede internacional de bancos suíços, como deve à facilidade de locomoção humana nos edifícios e centros comerciais das cidades, graças à marca de elevadores e de escadas rolantes Schindler. O que continua um utensílio multiusos impar é o canivete suíço, tão útil para cortar pão, como para desenrolhar garrafas ou recortar papel. Para que não haja dúvidas quanto à nacionalidade deste objeto de cutelaria, o canivete suíço é vermelho com a cruz branca da bandeira.