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Dá para viver para sempre na casa do Harry Styles?

A glória na estreia do músico britânico a solo em Portugal. O pedido de casamento do João à Mariana e a Altice Arena cheia de gente feliz.

Dá para viver para sempre na casa do Harry Styles?
Charles Sykes/Invision/Associated Press

Um par de horas antes do início do concerto, às portas da Altice Arena, centenas de pessoas esperavam, em linha, para entrar. Vimos umas quantas envolvidas em plumas - cada uma com a sua cor preferida, e outras que, à falta de adereços, apostaram nas purpurinas à volta dos olhos ou em peças de roupa que luziam debaixo do sol a escaldar. O tempo ia passando e a azáfama ia sendo cada vez maior. Já não faltava muito para a abertura de portas que hoje eram as portas da casa do Harry. Abriram-se, poucos minutos depois das seis da tarde, para uma festa que tão cedo não vai arredar pé da memória dos que lá estiveram. 

Casa cheia de gente e de amor, ali ao pé do Tejo, para receber, finalmente, Harry Styles, que terminou em Lisboa a fatia europeia da aguardada "Love On Tour", adiada duas vezes pelos constrangimentos pandémicos. 

Harry Styles, homem que está a fazer história na cultura pop, sabe receber. Chegou e deu a festa para milhares, sem que, por um segundo, se tivesse perdido a sensação de genuína proximidade. É um anfitrião afável, energético e tremendamente carismático. Não admira que tenha sido recebido por uma multidão de fãs eufóricos, devotos e felizes por antecipação. E felizes no final. 

Harry sabe o que anda a fazer com o talento multifacetado que transborda de si. Compõe, canta, dança à Harry Styles, toca guitarra e entrega-se. Entrega-se no palco e entrega-se aos fãs. Além de ser um artista inteiro, também é o rapaz porreiro que, se nos desse boleia, esperaria que entrássemos em casa antes de arrancar com o carro. Harry, que anda em digressão com amor, é um showman e preocupa-se.

O músico, esta noite vestido em tons rosa, levou consigo uma banda de cinco elementos, que ficou posicionada no centro do palco, em cima de uma plataforma multicolorida. O alinhamento do concerto passou pelos três álbuns que o britânico assina a solo, com incidência natural em "Harry's House", que editou em maio, e em "Fine Line" que, por causa dos sucessivos adiamentos, não teve direito a respirar, como merecia, numa digressão.

A dada altura, houve uma piscadela de olho à fase dos One Direction (que trouxe Harry Styles a Portugal pela primeira vez), um dueto com Ellie Rowsell, vocalista dos também britânicos Wolf Alice que fizeram a primeira parte do espetáculo, e algumas canções, resgatadas do disco homónimo de estreia com o qual o músico se atirou para a carreira mais solitária. Para os românticos houve um pedido de casamento, dos agora noivos João e Mariana, e - para os gulosos - houve uma ode ao pastel de natal, que Styles levantou, a meio do concerto, como se fosse um troféu. 

A funky 'Music for a Sushi Restaurant' - que abre o disco mais recente - foi a primeira a testar a forte estrutura da Altice Arena, com praticamente toda a gente aos saltos, a acompanhar Styles na cantoria e ovacionar os movimentos styleanos - já icónicos - que lhe saem organicamente do corpo. Momentos depois, com a guitarra nos braços, Harry Styles atirou-se a 'Golden', de "Fine Line", para a seguir ir buscar 'Adore You', do mesmo álbum, e que o propulsionou pela primeira vez para a língua do palco.

Styles mantém a vibração do público nos píncaros ao longo de todo o concerto. Vai saudando, com simpatia natural, os milhares que tem aos pés. Acena, sorri, olha com profundidade, agradece, com a mão encostada ao peito, e manda beijinhos pelo ar na expectativa que cheguem a quem os apanhar. "Boa noite, Lisboa", disse, com entusiasmo, ao público. "É o último concerto", acrescentou antes de começar a fazer um exercício coletivo de conexão. Pediu a todos que se declarassem à pessoa que estava ao lado, fosse um estranho ou alguém do círculo próximo de afetos. "Agora, digam 'amo-te' a vocês próprios e divirtam-se", concluiu, arrancando mais uma leva de gritos e aplausos.     

'Daylight', nova passagem pelo disco mais recente, devolveu Harry Styles à guitarra e 'Cinema', também de "Harry's House", devolveu-o à língua de palco - onde podia ficar mais perto das pessoas que estavam na plateia e que se moviam, agitadas, sempre que este se aproximava.

'Keep Driving' antecedeu à preciosa balada 'Matilda' que transformou a arena lisboeta numa sala cintilante, com as luzes dos telemóveis erguidas e a balançar, enquanto Harry cantava aquela beleza acústica ajudado por duas vozes femininas. Seguiu-se 'Boyfriends' - mais uma acalmia à guitarra na frente do palco. Na sua versão acústica, Harry Styles emociona e fá-lo sem truques. Ou talvez use um truque infalível: o de ter substância. Mais do que uma substância até. A substância artística e a substância humana, mas quando a humanidade está nos seus melhores dias.  

'Lights Up' e 'Satellite' voltaram a meter Harry Styles a correr, aos saltos, e a rodopiar sobre si próprio. 'Canyon Moon' foi a que veio antes do tal pedido de casamento que, além de impressionar a namorada, impressionou toda a gente (Harry Styles incluído que ficou a olhar para aquilo tão expectante quanto nós). É que pedido não se esgotou no simples atrevimento romântico que, só por si, seria uma coisa bonita de se ver. O noivo - o João - não se limitou a fazer a pergunta, a segurar o microfone, que entretanto Styles lhe tinha passado para mão, e à frente de milhares de testemunhas que seguiam o momento pelo ecrã. Não. O João foi mais longe. Homem afinado e convicto cantou o clássico 'Can't Help Falling In Love', do rei Elvis, para a noiva. Cantou à frente do Harry Styles, da banda do Harry Styles, do público e dos Wolf Alice (que estavam na plateia a ver o concerto). João, mereces tudo. Que sejam muito felizes. 

'Treat People With Kindness', que mereceu a formação espontânea do popular comboio na plateia - com os Wolf Alice lá metidos - foi ouvida antes de uma passagem por 'What Makes You Beautiful' (dos One Direction). 'Late Night Talking', 'Love Of My Life' e 'Fine Line' ficaram para antes do encore que, talvez por ser a última data da tour europeia, chegou com uma sensação honesta de missão cumprida e com uma lista de agradecimentos. Harry Styles agradeceu a todos os que suaram para levar para a frente a digressão, com reforço no papel dos técnicos que trabalham nos bastidores, e aos que o têm seguido e apoiado no trilho que tem feito. Os fãs. 

O dançável e açucarado 'Watermelon Sugar' e o frenético 'As It Was' - que revisita as glórias da synth pop - não faltaram à chamada. O suave 'No Hard Feelings', versão dos Wolf Alice, foi cantada em dueto com Ellie Rowsell também como forma de agradecimento pela partilha na estrada.  

A assombrosa 'Sign of the Times', que Styles cantou envolvido na bandeira da Ucrânia, e 'Kiwi, esta guardada para o final, destaparam por completo a alma rockeira do artista britânico. Como escreveu um dia a Rolling Stone, Harry Styles está na pop com "rock at heart" - como quem diz com o rock no âmago.

Foi um privilégio estar em casa do Harry. Uma moradia - caiada com cores alegres - que tem tanto de expansiva como de introspetiva. Está bem cimentada, com baldes de talento. É sustentada por uma sensibilidade rara e foi erguida a paredes meias com as melhores influências. A casa do Harry tem vista para um futuro glorioso