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Jorge Palma: "a música é liberdade"

O músico e compositor edita hoje o disco "70 Voltas ao Sol (ao vivo com a orquestra)". Segue-se uma série de três concertos no Centro Cultural de Belém e na Casa da Música.

Jorge Palma: "a música é liberdade"


Jorge Palma celebrou 70 anos a 4 de junho de 2020. Onde é que poderia ser feita uma festa à altura da arte, do arrojo, da leveza profunda e da mestria que tem partilhado connosco há quase 50 anos? No palco, claro. Sem sombra de dúvidas. Assim foi. A celebração da gloriosa entrada de Palma nos setentas foi no Castelo de São Jorge, em Lisboa, em setembro do ano passado. Por causa das vicissitudes inquietantes da pandemia, o concerto foi para uma plateia restrita de convidados, entre os quais o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas ecoou para lá das muralhas do castelo através da agora tão recorrente transmissão online, do disco ao vivo (editado hoje) e do espetáculo "70 Voltas ao Sol" que vai poder ser visto em Lisboa e no Porto.

O concerto no monumento lisboeta foi um "quase segredo" que Jorge Palma não conseguiu guardar para si. O músico repete a experiência amanhã, 20 de novembro, no Centro Cultural de Belém e no dia 24, mais a norte, na Casa da Música. A 16 de dezembro, Palma volta ao CCB - data extra para que ninguém fique do lado de fora



O emotivo e solene concerto do castelo agora em disco

Jorge Palma subiu ao palco do Castelo de São Jorge no âmbito do programa Lisboa na Rua da Câmara Municipal de Lisboa e da EGEAC. Não esteve sozinho. Esteve no palco com o seu amado e confidente piano e com uma orquestra de câmara, constituída por 14 elementos, dirigida pelo maestro Cesário Costa. Filipe Melo e Filipe Raposo, pianistas e compositores, assinaram os arranjos refinados das canções - todas elas com estatuto de eternas no cancioneiro nacional e na vida de grande parte dos portugueses. 'Bairro do Amor', 'Frágil', 'Quem És Tu, De Novo', 'Só', 'A Gente Vai Continuar', 'Junto à Ponte', 'Portugal, Portugal', 'Estrela do Mar' (cantada a meias com Cristina Branco), 'À Espera do Fim' ou 'Deixa-me Rir' são alguns exemplos. 


A partir de hoje o concerto está então materializado no disco "70 Voltas ao Sol (ao vivo com a orquestra)" - disponível nas plataformas digitais, em formato CD e vinil. Uma nota (histórica): o concerto acabou com a atribuição da Medalha de Mérito Cultural da cidade de Lisboa a Jorge Palma, sendo que, há cerca de um ano, o músico também foi agraciado pelo Presidente da República com a Ordem do Infante Dom Henrique.

Foi no meio da azáfama dos ensaios para os concertos (e das muitas entrevistas que normalmente os antecedem) que conseguimos trocar algumas impressões com o sempre jovial e carismático Palma que entretanto já somou mais uma volta no carrossel da existência. Segue-se a breve conversa:

Tens andado num corrupio, como se costuma dizer...

Sim. Com os ensaios, as entrevistas. Essas coisas que precisamos de fazer. Têm sido dias bem agitados. Dias bastante cheios. (risos)

E por causa dos concertos "70 Voltas ao Sol" que assinalam a tua chegada aos setenta...

Sim, é por causa dos concertos no CCB e na Casa da Música. Também é lançado o disco ao vivo que foi gravado no concerto que dei no Castelo de São Jorge em 2020. Fizemos esse concerto quando foi possível fazer, isto tendo em conta todas as restrições, e teve uma lotação muito reduzida. Estavam apenas cerca de 100 pessoas, todas elas convidadas. Mas correu muito bem. Foi muito bonito. Os próximos concertos vão ser com o mesmo ensemble, com o mesmo grupo de câmara, constituído por 14 músicos que foram escolhidos e dirigidos pelo maestro Cesário Costa.

E sobre este disco ao vivo que chega hoje às lojas e plataformas digitais?

É um disco que está muito bem produzido e sublinho a captação do som que foi muito cuidada. O maestro Cesário Costa teve muito cuidado. Houve um cuidado extremo na pós-produção e no tratamento do som. O disco deu trabalho a muita gente, desde a parte das misturas ao tratamento do som. O som está muito bom. 

70 voltas ao sol, ou melhor, 71. Ficas tonto com tanta volta?

Eu sempre fui muito tonto. Sou tonto desde a primeira volta. (risos)


Sei que não costumas fazer balanços da tua vida, mas, com a chegada a uma idade redonda, importa saber: sentes que tens gozado bem a tua rota?

Não costumo fazer esse tipo de balanços. Não tenho essa prática. Mas, sim. Tem sido uma rota bem gozada. Têm sido voltas muito divertidas e interessantes. Têm sido muito ricas. Muitas viagens... 


Ainda és movido pela intuição?

Sim. Um grande amigo meu, um daqueles amigos da velha guarda, dizia-me muitas vezes: "deixa-te levar pela intuição. A tua intuição é boa". E, de facto, tem sido. Tem resultado. Isso não quer dizer que não tenha tido alguns percalços pelo caminho, mas, até agora, acho que tem funcionado. Refiro-me, por exemplo, ao contacto que tenho tido com as outras pessoas. Sinto-me mais atraído para lidar com determinadas pessoas e menos com outras. Escolho sempre os piores. (risos)

O concerto no castelo foi em 2020, no meio da intermitência da  música ao vivo...

Já não sei se estávamos em estado de emergência ou de calamidade, mas foi numa altura em que houve a oportunidade de reunir um número reduzido de pessoas. 

Podemos dizer que a "liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo"... e um concerto. Essa frase ganhou um novo sentido...

E outras frases dessa música ['A Gente Vai Continuar'] também (risos).  "Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar", por exemplo.  

Sim, houve muita gente a trautear essa música durante esta pandemia...

Sim. Foi repescada por várias entidades. (risos)

Dá para os mais variados contextos...

Sim. Quando escrevo faço questão de não datar muito as coisas. Sou mais universalista, mais abrangente. Gosto de falar de coisas que nos tocam desde o princípio da Humanidade até ao infinito. 

Estás a trabalhar no próximo disco, certo? 

Eu estou sempre em processo criativo, embora muitas vezes não se note. (risos) Isto cá dentro está sempre a trabalhar. Está sempre a driblar qualquer coisa. 

Já tocaste ao vivo um novo tema, o 'Amor Digital'...

Sim. Essa já está pronta. Vou gravá-la amanhã. Há mais quatro ou cinco temas que estão quase nessa fase mas ainda precisam de ser um pouco trabalhados. Ainda preciso de afinar as letras e as músicas, mas estão num bom caminho. Sei que as restantes - as outras quatro ou cinco - vão acabar por surgir. Vai acontecer em breve, talvez depois deste rebuliço todo. Surgirão quando eu voltar a ter algum espaço de concentração. Creio que em janeiro já vou conseguir ir para o estúdio, para alimentar 10 ou 11 canções.

No dia em que completaste 70 anos, partilhaste um esboço de outro tema, o 'Espécie de Altar'. Pegando numa frase dessa canção, quero saber, nesta fase da tua vida, a alma ainda ferve ou vai aquecendo em lume brando?

A alma tem os seus caprichos. Passa por muitos estados. Mas está viva. 

O que é que te agita socialmente?

Basta ver uma barra na televisão a dizer que morreram centenas de crianças de fome, seja onde for. Tento estar o mais preparado possível para os males do mundo.  É o que é. Perante isto, temos de nos proteger e tentar fazer o nosso melhor para ajudar de alguma forma. 

E ajudas (e muito) com a tua arte. 

Acho que sim. Tenho tido esse eco. A música também me salva. Salvou-me a vida em muitos momentos. 

O que é que é mais gratificante para ti na música?

A liberdade. Para mim, a música é liberdade. A compor, no palco e no que escolho para ouvir. A música entra pelo ouvido e mexe com tudo. Como mexe a poesia, o teatro ou o cinema. Mexe com um grande leque de emoções e de uma maneira?   

É como o amor, não se explica... mas existe?

É. Mas existe. (risos)