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Evanescence: "estamos prontos para rockar"

Entrevista à vocalista Amy Lee e ao guitarrista Troy McLawhorn, sobre o novo álbum "The Bitter Truth".

Evanescence: "estamos prontos para rockar"
P.R. Brown (cortesia Sony Music)

Sai hoje o primeiro álbum de originais em dez anos dos Evanescence, "The Bitter Truth". O acontecimento motivou um encontro Zoom de alguns jornalistas, incluindo da nossa rádio, com a vocalista Amy Lee e o guitarrista Troy McLawhorn, numa entrevista moderada por Sophie K, radialista da Kerrang! (também da BBC Radio 1 e da Absolute Radio), onde pudemos colocar algumas perguntas. 
    
Em praticamente uma hora, Amy Lee, de ar tranquilo e simpático, com uns olhos claríssimos que contrastam com os cabelos pretos, respondeu a todas as perguntas e mais algumas, a partir do seu anexo caseiro, que mais parecia uma sala de estar. É o espaço onde gosta de se isolar da família para se concentrar na sua arte: a música. 
 
Troy McLawhorn teve uma aparição mais breve, para responder a questões mais técnicas e de dinâmicas de trabalho. Amy Lee tinha uma predisposição mais filosófica, mais talhada para maiores elaborações teóricas. 
 
A entrevista permitiu ainda algumas revelações, como a admiração de Amy Lee pelo álbum único de Billie Eilish, "When We All Fall Asleep, Where Do We Go?" ou o envio de um vídeo caseiro do seu filho Jack a David Attenborough (o famoso naturalista da televisão britânica).    
 
O nervoso miudinho que pôr cá fora o novo álbum  
Amy Lee (AL): "Estou muito ansiosa que os fãs oiçam o disco. Estivemos muito tempo a trabalhar nas músicas, esquecendo o facto que já estamos nisto há dez anos. As músicas foram finalmente terminadas nesta época, depois de termos começado a trabalhá-las há uma década. É um bom pedaço da minha vida e da vida da banda e do que somos e onde estamos hoje em dia. Estamos preparados [para o novo ciclo, com o lançamento de Bitter Truth]. Atualmente, não podemos tocar ao vivo. Mas há outras formas de darmos vida à nossa criatividade e de chegarmos às pessoas, apesar dos obstáculos. Tudo isto tem sido inspirador".  
 
A inspiração da maternidade 
AL: "tornei-me mãe pela primeira vez. Não significa que eu tenha escrito uma canção sobre ser mãe, mas ajuda a libertar partes de mim que sempre estiveram comigo e que desconhecia". 
 
Colaborações femininas de peso na canção 'Use My Voice' 
AL: "ter conhecido a Sharon [del Adel, vocalista dos Within Temptation] foi muito especial. Não nos conhecíamos muito bem. De todas as pessoas que colaboraram neste álbum, ela era a pessoa que eu conhecia menos bem. A ideia de fazermos uma digressão conjunta surgiu depois de termos sentido uma grande empatia pessoal. Vieram ver o nosso concerto, o que foi muito querido da parte deles [Within Temptation]. E logo depois, tivemos a oportunidade de nos conhecermos. Já nos conhecíamos à distância, mas nunca tínhamos partilhado o mesmo palco. Nunca os tinha visto a tocar. Conhecia a sua música por causa dos fãs que tínhamos em comum com eles. Conheci a Sharon no ano em que o meu irmão morreu. Não sei como surgiu, mas tivemos uma daquelas conversas profundas de amigas, com muitas lágrimas e risos. Percebemos que tínhamos muito em comum. Pensei: 'quero trabalhar contigo agora'. Juntas, podemos dar um show maior. Poder ter tido a voz dela foi para mim como ter chamado uma irmã ou uma amiga. Queria sentir o significado da irmandade e a força de estarmos juntas. Tive o privilégio de poder contar com mulheres fortes e cantoras incríveis [como ainda Taylor Momsen (dos Pretty Reckless), Lindsey Stirling, ou Deena Jakoub (dos Veridia), todos eles nessa canção Use My Voice]". 
 
Som mais pesado neste álbum 
Troy McLawhorn: "a pandemia teve definitivamente um grande impacto na forma como gravámos o disco". 
AL: “gostamos de fazer as coisas sem um grande plano. Depois deste interregno, redescobrimos quem somos nós, quais são os nossos gostos, o que é que nos satisfaz como criadores. Nós tínhamos vindo do projeto orquestral do [álbum de 2017] Synthesis, e tinha a certeza que estávamos preparados para voltar a rockar. Temos estado a dar espectáculos rock nos dois anos anteriores. Fez-nos assentar e dizer-nos quais são as nossas raízes, e como é lidamos com isso nos dias de hoje. Creio que todos queríamos seguir o som de banda”. 
 
A importância da gravação das primeiras quatro músicas 
TML: "depois de fazermos as primeiras quatro músicas, estava definitivamente entusiasmado. ‘Uau, estas saíram mesmo bem, mal posso esperar pelas próximas, para perceber como vai ficar o álbum". 
AL: “[as quatro primeiras músicas] são uma janela aberta para o que vai ser o álbum. Quando estás a compor e a pré-produzir, começas a sentir qual o nível. Como é que ainda podemos apurar melhor isto”. 
TML: “perguntam-me repetidamente nas entrevistas qual a minha música favorita do álbum. Mudo de resposta todos os dias. Não consigo ter uma eleita. São todas incríveis”. 
AL: “E diferentes”.   
 
O impacto da pandemia no processo de trabalho 
TML: "antes da pandemia, já tínhamos gravado quatro canções. Já tínhamos feito planos para uma digressão europeia. Tínhamos um concerto no Japão e de repente tudo parou. Interrompeu os nossos progressos. Estávamos fechados nas nossas casas, e ao fim de alguns meses, tínhamos que tentar encontrar uma forma de nos reunirmos. Mudou tudo. Tínhamos que ser testados. Necessitávamos de perceber como é que poderíamos viajar da Califórnia para Nashville. Tivemos que levar as nossas famílias para nos fixarmos e terminarmos o nosso álbum, ou para, pelo menos, darmos um avanço. Foi um enorme desafio. Não podíamos estar juntos sempre que queríamos. Mudou a forma como trabalhávamos. Estava metido na minha bolha, pegava no carro, conduzia, ia gravar as minhas partes e voltava a casa. Eu não tinha contacto com ninguém. A [segunda guitarrista] Jen [Majura] não estava lá nas gravações, exceto nas primeiras quatro músicas. Não a ter comigo aborreceu. Tinha que lhe enviar as partes que ela tinha que gravar. Ela tinha que se desenrascar sozinha, tenho a certeza que foi duro para ela.  
 
Envolvimento da família neste álbum 
TML: "foi muito fixe fazer os vídeos comigo e com a minha mulher e o meu filho. Tive toda a minha família a cantar nos refrães. Mais do que nunca, as nossas famílias sentiram-se parte do processo".   
 
Instrumentos mais invulgares no álbum 
AL: "tínhamos uns pedais bem selvagens. Foi interessante a quantidade de camadas que conseguimos inserir, ao ponto da guitarra já não soar a guitarra. Foi espantoso ver-te a fazer isso". 
TML: "nós procurávamos um som fora do controlo. Ligámos um par de pedais de distorção Big Muff, que são conhecidos por serem descontrolados. Usar mais do que um torna-se ridículo. Dei cabo dos meus ouvidos só por causa daquele solo de guitarra. Foi bem divertido". 
Amy: "foi tão bom juntarmos e fazermos este ruído todo, depois daquele tempo todo fechados, calados e frustrados. Só me lembro de sentir um alívio quando pudemos voltar a fazer barulho".       
 
A complexidade do tema 'Far from Heaven' 
AL: “hesitei em publicar essa canção antes de a terminar. O processo de escrita sempre foi como uma sessão de terapia para mim. Vem da subconsciência, como se fosse uma interpretação de um sonho. Às vezes, torna-se assustador. Outras vezes, é difícil de admitir. Houve coisas difíceis de dizer nessa canção. Foi duro o questionamento a que me submeti e a luta que enfrentei. Mas é tão valioso quando ultrapassas isso. Se conseguires fazer de uma coisa má uma coisa boa, isso dá-te um desígnio. Simboliza uma esperança para o próximo passo. Só conseguimos ir para um sítio melhor se percebermos onde estamos neste momento. Isso é tão verdadeiro no teu interior, como no exterior”.  
 
Colaboração de Amy Lee no tema dos Body Count, 'When I'm Gone' 
AL: "Os Body Count estavam na lista de colaborações sonhadas há muito tempo. Quando aconteceu de forma tão natural, parecia uma coisa do destino, sobretudo quando me apercebei do conteúdo da letra: ‘ama os teus queridos enquanto os tens porque a vida não é eterna e não vais querer perder a tua oportunidade’. Esse é um dos meus assuntos. O que me atrai na música e em arte é o contraste. Podem entrelaçar-se duas coisas absolutamente diferentes numa combinação lindíssima. Isso é uma coisa fundacional na nossa banda, um casamento que sempre procurámos, como se fosse uma banda sonora, entre música sombria e o hard rock. É interessante quando começamos a fazer comparações entre o quão diferentes e o quão similares as coisas podem ser. Quão diferente pode ser uma música do Bach e um solo de guitarra bastante complexo e estupendo?”. 
 
Ir ao âmago das letras das canções  
AL: "Não sou o tipo de pessoa que está constantemente nos lugares mais sombrios, complexos e profundos da alma. É preciso eu estar com preparação e com voracidade para isso acontecer. Já tanta coisa aconteceu e há tanto para dizer. Já seguíamos esse rumo quando o mundo virou do avesso. É difícil ir para esses sítios [mais obscuros] mas é também uma cura para mim. Acho que eu endoideceria se não tivéssemos este álbum para fazer. Aprendi e reaprendi uma lição da vida em que o que te acontece é aquilo que tu fazes com isso. O que conta é o que aproveitas e o que transformas daquilo que te dão. Não acordo todos os dias motivada para tomar conta do mundo, mas quando consegues ultrapassar o que te aconteceu e transformar as tuas experiências em algo muito bom e que pode ser potencialmente bom para outra pessoa, isso contém então uma vida e uma cura. Fui descobrindo ao longo da minha carreira e do meu trajeto com a banda que a música não é só importante para nós, pode também ser importante para outros. Isso torna as coisas melhores, maiores e mais preciosas". 
 
Ser mulher num mundo masculinizado  
AL: "Tenho evitado esse tópico até há pouco tempo, porque não sou uma vítima. Conseguimos ir tão longe, para quê queixar-nos. Outras mulheres enfrentam desafios noutras bandas. Não é tanto sobre artistas femininas na música. Bem sei que há bem menos mulheres na alta roda. Há muito fatores para isso, as mudanças costumam demorar. Não acho que seja tanto sobre mulheres, é mais sobre pessoas que mostram o que são. O mundo é mais vasto que os homens brancos. Tenho sentido a diversidade no rock, em particular no rock pesado. Não tem ser só um homem bonitão. Tenho testemunhado o crescimento e a mudança. Quantos mais formos, mais espaço haverá para as pessoas se integrarem. Tenho fé nisso".  
 
A devoção dos fãs 
AL: "Tenho esta memória antiga de quando estávamos a fazer uma das nossas primeiras digressões, tocámos ao pé de Atenas, numa espécie de cratera rodeada de rochas [Amy Lee estará a referir-se ao anfiteatro da Grécia Antiga, Lycabettus, onde deram um concerto em junho de 2004]. Eu estava concentrava na minha atuação, de olhos fechados. Lembro-me de abrir os olhos e ver todas aquelas luzes, que eram de isqueiros - quando se usavam isqueiros -, e que vinham também do amontoado de pessoas que ficaram de fora. Fiquei emocionalmente pensativa. E depois, estavam a cantar de uma forma tão ruidosa que eu estava com dificuldades em ouvir-me a cantar. Mas isso não importava, porque tratava-se de uma coisa maior do que eu. Era toda a nossa voz. Essa visão entranhou-se na minha cabeça, de um momento em que me sinto tão abençoada de ter feito parte". 
 
Billie Eilish 
AL: "ouvi muita música durante este período [de confinamento]. Muita música. Música velha, música nova. Não paro de dizer o quão gosto do álbum da Billie Eilish. Não costuma acontecer, mas adoro todo o álbum. Continuo a adorar álbuns. E [When We All Fall Asleep, Where Do We Go?] é um grande álbum. O que eu gosto nesse disco é do seu lado sombrio, sempre disponível para se tornar vulnerável e verdadeiro". 
 
Grunge 
AL: “oiço muita música do passado que inclui o grunge. Tudo o que aconteceu [com o grunge] é muito verdadeiro e fez parte das minhas primeiras influências. Fui muito inspirada pela cena do grunge do início dos anos 90. Sempre fez parte de mim. E à medida que cresces, os gostos de cada um vêm sempre à superfície, à medida que vais fazendo coisas diferentes com formações alteradas. Gosto de olhar para o momento de agora com este grupo de pessoas e ao mesmo tempo voltar atrás”.           
 
Vídeo dirigido a David Attenborough pelo filho de Amy Lee, Jack 
AL: "Foi uma ideia toda dele. Ele é obcecado com o David Attenborough e tem um interesse desde pequeno por ciência. Dantes, ele fazia-me perguntas sobre o espaço que eu não conseguia responder. Graças a Deus, ele evoluiu para o nosso mundo e para a biologia. Ele é capaz de ver um documentário inteiro sobre rãs. Posso gabar-me de ter um filho muito esperto. Um dia pediu-me: ‘podemos ligar ao David Attenborough’. E eu disse-lhe que ‘não, não o conhecemos’. E ele: ‘Podemos enviar-lhe um vídeo?’. E eu: ‘acho que sim, podemos tentar’. Não tornei o vídeo público, nem nada disso. Mas ele fez o vídeo mais engraçado, ao estilo de David Attenborough. Ele falou-lhe de rãs e que tinha uma raineta como animal de estimação, por causa do documentário sobre rãs por que anda obcecado. Ele falou-lhe da rã. Só queria mostrar-lhe a sua raineta”.     
 
Os Evanescence têm concerto marcado para 9 de outubro na Altice Arena, em Lisboa.