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Xutos a redescobrirem o sorriso

Esta noite, no Tivoli, em Lisboa, o concerto foi mais elétrico que intimista.

Xutos a redescobrirem o sorriso

Os Xutos voltaram esta noite aos palcos, no Teatro Tivoli, em Lisboa, no novo cenário de austeridade comportamental, em que as máscaras ou a proibição da extroversão de pé abafaram a tradicional generosidade do seu leal público, também limitado estatisticamente à metade da capacidade da sala, com 500 espectadores presentes.
 
Meia-hora antes do espetáculo, uma tendência maior de que o normal para as roupas pretas na Avenida da Liberdade denunciava estarmos perante um pequeno movimento de fãs de Xutos em direção ao Tivoli. Olha-se sem ser preciso grande atenção para as t-shirts para percebermos logo que X é aquele. 
 
Lá dentro da sala, pouco depois da hora do início do espetáculo, o quarteto lisboeta entra com um rock agreste, vindo de temas do álbum mais recente "Duro" - o tema-título Duro, 'Alepo' ou 'Fim do Mundo' - com Kalú carregado de canhões a mandar várias bombas dos seus tambores e bombos.   
 
'Às Vezes' modera a raiva do arranque. Só a partir da mais antiga 'Enquanto a Noite Cai', os braços se levantam e se cruzam no ar pela primeira vez. As cabeças abanam mais um pouco. O público passa de observador a participante. 
 
Segue-se 'Na América', "num sítio onde agora não se pode estar", introduz Tim. Aí nesse tema, a guitarra elétrica de Cabeleira teve um competidor à altura no saxofone de Gui. 
 
A dinâmica inicial só tem uma pausa maior para o guitarrista João Cabeleira poder mudar de chapéu de cowboy e tirar o casaco. Vinha aí um tema "para os fãs. Só os fãs mais malucos sabem esta letra, além de mim”, Tim referia-se a 'Falcão', uma balada elétrica que fez questão que o público cantasse. 
 
A aspereza volta ao de cima em 'Salve-se Quem Puder', antes de uma reza das antigas, com muitos fiéis a cantar de cor, como se fosse o terço. É 'Ave Maria', pois claro, com aquele coro épico final em que o público gosta de participar, mas que cujo ar das vozes foi camuflado pelos tecidos das máscaras. 
 
A mensagem de que "vai ficar tudo bem" colada nas janelas é agora ouvida na voz de Tim quando canta 'Negras como a Noite', com uma letra que ganha um significado especial nesta luta contra a pandemia. Mar de Outono é só mais uma balada em que os solos de guitarra de Cabeleira atraem os focos de luzes mais intensos para si, enquanto Tim se afasta para deixar o companheiro brilhar ainda mais. 
 
Este concerto de desconfinamento é também esforçadamente de desenferrujamento. Daí que se compreendam algumas dessincronizações como a que se ouviu em 'O Que Foi Não Volta a Ser'. 'O Homem do Leme' tem cada vez mais personalidade dupla em palco, com a primeira metade, um pouco desengonçada, a evocar a melancolia de Carlos Paredes, já na metade final é uma banda rock a bulir. 
 
Após uma brincadeira do bem disposto Tim, Kalu vê-se obrigado a improvisar um solo de bateria, que se cola a 'Circo de Feras'. Logo a seguir, é a vez de 'Não Sou o Único', "o tema que o Zé Pedro nos ensinou", lembra o vocalista Tim. O arrebatamento foi moderado pelos assistentes da sala, que pediram que o público se sentasse.
 
No encore, Tim faz um pedido de compaixão de uns pelos outros nestes tempos da pandemia, antes de servir 'À Minha Maneira'. Como o público não se podia mexer de pé, via-se uns quantos braços no ar. 'Contentores' aparece transfigurado numa versão mais bluesy, antes daquela música que se os Xutos não a tocarem, muitos dos fãs vão aborrecidos para casa: A Minha Casinha, agora vivida com o público sentado. 
 
No final, Kalu dá as suas baquetas a um fã da velha guarda que estava a ver o 200° concerto de Xutos da sua vida.